quinta-feira

O JÚRI




Há dias, encontrava-me em Almeirim, num aprazível jantar.
Acabámos por conversar sobre a participação de jurados nos julgamentos. O tribunal de júri é uma raridade em Portugal. Só existe intervenção de júri se a mesma for requerida e geralmente ninguém mostra vontade em que tal suceda.
Nesses casos, o tribunal é composto por três juízes de carreira e quatro jurados.
No mínimo, devem ter a escolaridade obrigatória e idade inferior a 65 anos. Um advogado, presidente da câmara, professor de Direito, funcionário judicial ou polícia não pode ser jurado.
No final do julgamento, os sete reúnem para deliberar.
São discutidas duas questões.
A primeira é saber se o arguido é ou não culpado. Ou vota-se pela culpabilidade ou pela inocência. Não são admitidas abstenções. A votação não é secreta. Começa por falar o jurado mais jovem e só depois votam os juízes de carreira. A ideia é não condicionar a expressão de ideias pelos jurados.
A votação não é tão simples como poderá parecer, pois pode implicar debater se houve legítima defesa, por exemplo.
Se a votação for no sentido de que o arguido é culpado e há que impor-lhe uma pena, poderá haver apenas duas opiniões e basta proceder ao voto. Existindo mais de duas opiniões, os votos favoráveis à sanção de maior gravidade somam-se aos que votaram a sanção de gravidade imediatamente inferior até se obter maioria.
Enquanto que nos Estados Unidos da América, os jurados apenas se pronunciam sobre a culpabilidade, em Portugal eles têm a mesma capacidade de voto.
A Revolução Francesa difundiu esta prática. Em 1820, foi determinada tal possibilidade em Portugal. Chegou a ter algum êxito. No entanto, em meados do século XIX, entrou em crise. Em 1890, ficou estabelecido que só era possível a intervenção de jurados para crimes graves que implicassem pena maior. Em 1944, o tribunal de júri desapareceu. Só voltou a existir em 1975. Mas a adesão é muito reduzida.
Os que defendem o tribunal de júri dizem que é a democracia instalada no sistema de justiça.
Os críticos apontam sobretudo a capacidade de influenciar os jurados.
O escritor Robert Frost até disse que o júri é um grupo de pessoas que decidem quem tem o melhor advogado. O mesmo já tinha afirmado Herbert Spencer.
Segundo se diz, um causídico muito hábil poderá ser capaz de convencer os jurados da inocência de um indivíduo que, na realidade, é criminoso.
Mas não faltam as histórias em que a reputação de um advogado acabou por funcionar de modo adverso.
Conta-se que, em Beja, há uns anos, aconteceu um caso com um conhecido advogado, já falecido: Cunha e Costa. Tinha escritório em Lisboa e defendia um rapaz acusado de estupro. Ele proclamava a inocência, mas várias testemunhas tinham uma especial antipatia pela sua família.
O advogado que representava a alegada vítima era um desconhecido quando comparado com Cunha e Costa. Estava longe de possuir os dons de oratória deste. Mas foi hábil quando se dirigiu ao júri:
- O réu seria condenado se não estivesse aqui o Dr. Cunha e Costa. Ele vai convencer toda a gente de que o criminoso é uma espécie de arcanjo replandescente de inocências. E quando conseguir soltar o réu, não deixará de comentar: lá fiz o que queria daqueles lorpas alentejanos!
O júri foi unânime: culpado!
Ninguém queria ser tomado por parvo.
A fama do advogado teve o resultado contrário ao esperado.
Um escrivão francês, Maître Villemest tinha uma curiosa teoria sobre os advogados que melhor defendiam os arguidos perante o júri.
O ideal era escolher um causídico inapto, incapaz de manusear os códigos, com um discurso que revele atrapalhação e que deixe cair o processo para o chão para depois o apanhar tropeçando na toga. Os jurados pensarão: o acusado não teve uma defesa capaz, não pode ser condenado.