quinta-feira

O PRAZER DE TRABALHAR




Em termos puros, o que é um salário? É a contrapartida do sacrifício do trabalhador. A pessoa sofre por exercer a sua actividade profissional. Em troca, recebe um ordenado ao fim do mês.
É claro que a realidade não é assim tão linear.
Há indivíduos que adoram o seu emprego. Muitos dos que ganham a lotaria ou o totoloto continuam a trabalhar.
Aqui há tempos, foi convocada uma greve de funcionários judiciais. Em Almeirim, a adesão foi total. Em princípio, no tribunal só deveria lá estar eu e a procuradora-adjunta. Mas um dos grevistas foi trabalhar. Apesar de ter um desconto no vencimento.
Outros pensam de modo diverso. Certa vez, conversei com um arguido que me disse ter um curso profissional de hotelaria. Contudo, trabalhava como operador de máquinas. O vencimento era superior. Ele gostava mesmo era de exercer a sua profissão. Mas entendia que o dinheiro a mais justificava aquele esforço.
A ocupação implica sempre uma parte de sacrifício e uma dose de prazer. As proporções é que variam de caso para caso.
Por exemplo, um certo repositor de um supermercado pode não apreciar muito aquilo que faz. Gostará de ver produtos novos, cumprimentar as pessoas ou verificar em que momentos há maior consumo. No entanto, preferia mil vezes estar em casa ou ir ao café.

Imagine-se o caso do empregado efectivo de uma grande empresa. Foi posto na prateleira. É uma pessoa culta e instruída, bem preparada para a sua profissão. Todavia, limita-se a picar o ponto diariamente. Senta-se à secretária e não tem nada para fazer. A situação dele é horrível. É uma penitência atroz deslocar-se para o escritório.
Estes casos têm sido estudados pelos especialistas em Direito Laboral. É também a situação do jogador de futebol que nunca entra em campo e fica sempre no banco. Discute-se se existe o direito a trabalhar.
No lado oposto, temos os artistas.
Um afamado pintor executa vários quadros por prazer. Muitos deles são vendidos. Todavia, pouco sofreu para os produzir.
A medida em que existe sacrifício e prazer no trabalho tem uma escala. É comensurável. Consiste no grau de realização profissional.
Todos nós conseguimos dizer se nos sentimos ou não realizados profissionalmente. E sabemos dizer em que medida: muito ou pouco.
É sempre uma experiência pessoal. Com a mesma actividade, pode haver pessoas realizadas e outros insatisfeitos.
Em que é que consiste a realização profissional de um juiz? Como é que uma pessoa se pode sentir satisfeita com um trabalho que implica mandar outros para a cadeia, condenar ou absolver?
Era esta a questão que, há dias, me colocava um grande profissional da televisão.
Cada um terá a sua resposta.
Eu posso dar a minha.
Resumo a realização profissional a uma palavra: vítima.
A reparação do mal causado, a colocação do infractor no bom caminho e o ajuste de contas entre a sociedade e o criminoso: é o que a vítima espera do tribunal. A pior coisa que pode suceder à vítima é ficar com a sensação de que existe impunidade. Vou procurando que tal não suceda.
Uma senhora é abordada por dois assaltantes que a agridem e lhe retiram a mala. Se os criminosos forem castigados, a lesada permanece numa melhor situação.
A criança maltratada torna-se num adulto mais saudável caso o agressor não se fique a rir.
Aquele que tem um cheque careca na mão pretende que o caloteiro lhe pague e sinta o peso da justiça.
Os familiares do assassinado querem é ver o homicida na prisão.