sábado

O PRÉMIO É MEU





Agir em nome de outrem pode gerar, por vezes, algumas complicações.
Vamos buscar uma carta registada aos Correios, para um vizinho que trabalha longe da estação e não pretende recorrer ao serviço Siga.
Assinamos uma escritura pública para vender a casa de um irmão, que está emigrado no estrangeiro.
Ou pagamos a conta da electricidade da casa do vizinho.
Há uns anos atrás, em 1997, já muita gente tinha telemóvel. Mas o preço ainda o tornava um prémio apetecível nos sorteios de uma petrolífera, que oferecia automóveis e muitos outros bens de valor aos seus clientes.
Os telemóveis eram entregues na casa do concorrente.
Normalmente, isso sucedia à hora do expediente. Muitas vezes, o contemplado não se encontrava em casa. Era outra pessoa que recebia o prémio. Assinava um documento comprovativo de que houvera recepção e, naturalmente, depois procedia à entrega do objecto.
Certa vez, um indivíduo recebeu uma carta, notificando-o de que um dos seus cupões fora extraído no concurso. Coubera-lhe um telemóvel. Dentro de dias, um estafeta iria proceder à entrega no seu domicílio.
Passaram-se umas semanas e nada de surgir o prémio.
Ele resolveu telefonar, para se inteirar do que se passava.
A telefonista transferiu a chamada para a pessoa responsável. Esta pediu-lhe que aguardasse um momento, para averiguar o que sucedera.
- Senhor Simões, a informação de que dispomos é de que o telemóvel foi-lhe entregue.
- Foi-me entregue? Ora essa! Eu não recebi prémio nenhum.
- Temos aqui o recibo, comprovativo de que a recepção ocorreu no dia 23, em sua casa.
O premiado começou a desconfiar. Perguntou a quem teria sido entregue o aparelho.
Respondeu-lhe a empregada da empresa:
- O recibo encontra-se assinado pela Senhora Dona Arminda Simões.
- É a minha mulher ! Nós ainda moramos na mesma casa, mas levamos vidas separadas vai para um ano. Não temos nada em comum. Nem contas bancárias, nem nada. A única coisa que dividimos são as contas da água e da luz. Se ela recebeu algum telemóvel, não mo entregou a mim. Ficou com ele !
É claro que ele tinha razão.
A senhora enganara o estafeta.
Foi-lhe confiado o aparelho para que o desse ao premiado, o seu marido. Nunca poderia guardá-lo para si.
Mas o contemplado não tinha autorizado que a entrega fosse realizada a outra pessoa, designadamente à sua mulher.
Portanto, ele teve direito a um novo telemóvel.
Tudo o que a empresa petrolífera poderia fazer, agora, era pedir contas à mulher dele, que ilicitamente se apropriara do prémio.
A representação de uma outra pessoa pode operar-se de duas maneiras.
Por acordo prévio, através de mandato que é conferido verbalmente ou mediante procuração.
Por exemplo, eu passo uma carta mandadeira – ou, simplesmente, mandadeira – para que um amigo meu me represente numa assembleia geral.
Ou então telefono a um ourives, dizendo que o meu primo vai levantar o meu relógio que ficou para reparar.
Mas a representação também pode ocorrer sem que haja uma combinação anterior.
Está-se, então, perante a gestão de negócios.
Suponhamos que eu me apercebo que o fornecimento de água vai ser cortado a um vizinho meu, por falta de pagamento. Todavia, se a dívida for, de imediato, liquidada, não chega a ocorrer a interrupção do serviço.
Apresso-me a desembolsar a soma, para evitar a espera pelo restabelecimento da ligação e as despesas adicionais.
Evidentemente, o meu vizinho terá de me reembolsar esta quantia.
Não é apenas uma questão moral.
É mesmo assim, do ponto de vista legal.
Eu agi em nome dele, ainda que sem a sua autorização prévia. Mas fi-lo no seu interesse e para benefício dele.
Em termos jurídicos, diz-se que eu agi como gestor de negócios. Actuei para tratar de um assunto relativo a uma transacção que não é minha. Não sou parte nesse negócio. Apenas sou interveniente em nome de terceiro ou gestor. Sem que seja sequer procurador.