quarta-feira

TRIBUNAL ENTRA NOS EIXOS


Juiz Helder Fráguas faz balanço positivo em Almeirim
TRIBUNAL ENTRA NOS EIXOS
(Jornal "O Mirante", 17 de Julho de 2003)

Quando o juiz Helder Fráguas assumiu funções no Tribunal de Almeirim não se executavam penhoras por falta de funcionários. Os processos acumulavam-se. Actualmente as coisas estão a rolar melhor e o tempo médio de um processo, da queixa ao julgamento, é de um ano. Na hora do adeus, o magistrado faz um balanço do seu trabalho numa comarca onde abundam as armas em casa, o álcool no sangue, as falências e os crimes passionais.
O tribunal da mais nova comarca do distrito, a de Almeirim, entrou em férias judiciais no dia 16 de Julho, com 1900 processos a decorrer. Destes, cerca de 300 são relacionados com crimes. O tempo médio de espera entre a entrada das queixas e o julgamento é de um ano.
Um prazo razoável, no entender do juiz Helder Fráguas, que herdou há dez meses, quando entrou em funções, uma situação bastante complicada. Na altura existiam 748 processos parados e o serviço externo, que procede à execução de penhoras, estava inactivo por falta de funcionários.
Os atrasos nos processos deveram-se ao facto do tribunal ter ficado sem magistrado durante quatro meses. A juíza que na altura estava destacada na comarca de Almeirim entrou em licença de maternidade em 8 de Maio de 2002 e só foi substituída quatro meses depois. O que implicou que durante este tempo não se realizassem julgamentos, excepto os que envolviam réus em situação de prisão preventiva. Nesses casos, as sessões eram dirigidas por juizes do Tribunal de Santarém.
No caso das penhoras, a situação devia-se ao facto de todos os funcionários estarem a trabalhar na tramitação de processos. “Quando cheguei, determinei que fosse nomeado um funcionário para trabalhar exclusivamente neste serviço. Neste momento já existem dois.”, explicou Helder Fráguas, que vai ser transferido, no âmbito da rotatividade dos juizes, para o Tribunal de Alcobaça onde inicia funções em 15 de Setembro.
Ainda com 400 penhoras por executar, o juiz considera que o cenário podia ser muito pior, não fosse o empenhamento dos funcionários. Muitas vezes tiveram que andar a pé para fazer as respectivas execuções, porque o tribunal não tem carro de serviço, ao contrário do de Santarém. Usaram também os táxis para se deslocarem às zonas rurais.
A verba prevista no orçamento do tribunal para estas deslocações acabou por se esgotar em Maio, quando devia dar para o ano todo. Valeu a colaboração da Câmara de Almeirim, que disponibilizou uma viatura e um motorista.
Recorde-se que o Tribunal de Almeirim começou a funcionar em 1 de Fevereiro de 2001, no antigo quartel da GNR, no largo Manuel Rodrigues Pisco. Local onde vai continuar até que seja construído o novo palácio da justiça, projectado para a zona norte da cidade, perto da rotunda de saída para Alpiarça. Actualmente, para além do juiz da comarca presta ali funções também um juiz auxiliar.
O tribunal tem apenas um juízo, havendo esperança que em breve o Ministério da Justiça aprove a abertura de mais um de modo a corresponder ao grande volume de trabalho registado. Aliás, esta pretensão já vem da altura em que o tribunal foi inaugurado. Para além disso, segundo Helder Fráguas, é necessário mais um escrivão adjunto para juntar aos três já existentes.

Uma terra de falências e “pistoleiros”Ao longo dos dez meses de serviço no Tribunal de Almeirim, o juiz Helder Fráguas apercebeu-se que os problemas da comarca são muito diferentes de outras por onde passou. A começar pelas falências e penhoras de empresas. “Notei que existem muitas empresas, sobretudo as ligadas à agricultura, que estão em situação difícil. Algumas delas tiveram mesmo processos de falência. Outras têm dívidas que não conseguem satisfazer”, conta.
De entre os casos que julgou, muitos relacionavam-se também com o consumo de bebidas alcoólicas. Há nesta comarca, que para além do concelho de Almeirim abrange o de Alpiarça, uma grande incidência de condutores que são apanhados a conduzir embriagados.
No capítulo de crimes mais violentos, destaque-se as agressões e homicídios passionais. “Em pessoas de certa idade, nomeadamente nos homens que deixam de ter uma vida sexual activa, há tendência para se gerarem episódios de ciúmes. Normalmente, os homens têm tendência a desconfiar que as mulheres os estão a trair e muitas das vezes disparam contra amigos ou vizinhos”, explica.
As armas são aliás uma das grandes dores de cabeça da zona. “Aqui é muito frequente encontrar muita gente com armas em casa. Sobretudo armas de caça que são usadas ilegalmente para defesa pessoal. Algumas dessas pessoas até serram os canos das espingardas”, diz.
“Esta situação é normalmente associada a assaltantes, mas aqui encontrei pessoas que não se dedicam a actos ilícitos e que fazem o mesmo. E talvez o façam porque o factor intimidatório de uma espingarda de canos serrados é maior e porque o poder mortífero, em disparos a curtas distâncias, é muito superior”, reforça.
Para além disso, Helder Fráguas destaca também a colaboração da GNR e da câmara municipal, a quem agradece. E explica porquê: “A guarda esteve sempre disponível para nos apoiar no trabalho de execução das penhoras, tendo muitas vezes sido necessário proceder a arrombamentos de portas. E a câmara esteve sempre disponível para receber pessoas condenadas a fazer trabalhos a favor da comunidade, em substituição das penas de multa ou prisão”.

Concurso de ideias para novas instalações
O projecto para a construção do novo palácio da justiça de Almeirim pode começar a ser elaborado em breve. Segundo o juiz da comarca, existe já uma verba destinada para o efeito e neste momento está a decorrer um concurso de ideias para a feitura do projecto.
Para Helder Fráguas, as actuais instalações já começam a acusar alguma falta de espaço para o volume de trabalho. Recorde-se que antes da criação da comarca de Almeirim entravam anualmente em Santarém cerca de 1.500 processos nos seus três juízos cíveis e 1.600 nos seus dois juízos criminais. Ou seja, um total de 3.100 processos, sem contar outros procedimentos da responsabilidade dos tribunais.