quarta-feira

NINGUÉM ESCREVE AO ARGUIDO




Vale a pena pensar por que razão tantos investidores que depositaram o seu dinheiro na Afinsa ou no Fórum Filatélico acreditaram que não se tratava do velho esquema da pirâmide. O mesmo que levou à perda de quantias muito significativas confiadas à Dona Branca.
Por detrás, estava uma alegada valorização de selos, que constituiriam um investimento mais rentável e seguro do que a aquisição de imóveis.
Na verdade, é raríssimo uma estampilha depreciar-se. Quanto muito, pode sofrer a erosão provocada pela inflação. Se mantiver o valor facial durante muito tempo, acaba por se traduzir em dinheiro parado.
Todavia, mais tarde ou mais cedo, o seu valor tende a subir.
O selo tem tudo o que um bem precioso possui: escassez, procura e credibilidade.
As edições são limitadas. Quanto mais vicissitudes houver, tanto melhor.
Se um certo país deixar de existir, os respectivos selos passam a valer muito mais. Foi o que sucedeu com a Jugoslávia ou com a União Soviética.
Trata-se de um bem que é adquirido e procurado, com uma utilidade determinada: enviar uma carta.
São produzidos por entidades altamente credíveis: os serviços postais do Estado, que geralmente detêm o monopólio desta actividade.
As estampilhas encontram-se ligadas a uma actividade muito conceituada, à escala mundial: os Correios.
Nos Estados Unidos da América, um dos cargos políticos mais importantes é o de Postmaster General, o presidente dos Correios. Até 1971, o titular até integrava o executivo da Casa Branca. Ainda hoje, continua a ser directamente designado pelo Presidente dos Estados Unidos.
A primeira pessoa a desempenhar a função foi Benjamin Franklin.
Desde o século XIX, todas as nações do Mundo dispõem de um serviço postal pertencente ao Estado e com cobertura de todo o território.
Onde quer que um indivíduo more, o carteiro tem de lá chegar, sempre que alguém lhe envie uma carta.
Sabemos que a eficiência não é igual em toda a parte.
Nem sempre isso significa que exista uma caixa de correio onde o funcionário postal deposita o envelope.
Nos meios rurais portugueses, havia uma certa tradição de o carteiro deixar a correspondência na taberna local. Depois, os aldeãos passavam por lá para levantar as cartas.
Actualmente, ainda existem caixas de correio individuais (CCI), agrupadas num determinado sítio, junto à estrada. Cada um dos moradores tem uma chave do seu receptáculo, que se situa relativamente perto de casa.
Desde 1863, os vários correios nacionais cooperam entre si, através da União Postal Internacional. Obviamente, a organização tem sede na Suiça, como em quase todas estas matérias delicadas, que exigem neutralidade.
Assim se possibilita, desde há muito, que, em qualquer parte do mundo, se possa remeter uma carta para outra pessoa, onde quer que ela more.
A União conta com 190 membros, o que inclui todos os países que integram as Nações Unidas.
Apenas Andorra, o arquipélago de Marshall, a Micronésia e Palau não estão inscritos na U.P.I., embora esteja assegurada a correspondência internacional.
A existência de um serviço postal nacional constitui um sinal importante de soberania e de normalidade constitucional de um país. É um símbolo fundamental.
Somente os Estados em guerra admitem não possuir cobertura postal em todo o seu território. As zonas onde o conflito armado é mais intenso poderão não contar com carteiros.
Mesmo nos países menos desenvolvidos, cujas condições económicas são muitíssimo débeis, as comunicações postais encontram-se asseguradas.
Cada um dos muitos domicílios está servido pelos Correios. Ainda que uma casa se encontre completamente isolada, num local remoto, de muito difícil acesso, é fundamental que seja possível enviar uma carta a quem lá reside.
Em 1995, no dia de aniversário de minha mãe, eu encontrava-me em Phnom Penh, no Camboja.
Na altura, Pol Pot ainda era vivo e, embora Sihanouk já reinasse de novo, não reinava a paz.
Dirigi-me à estação central dos correios. Quis enviar um postal à aniversariante.
Senti-me recuar quarenta anos no tempo. Não obstante a destruição que assolou o país, as instalações deviam manter-se iguais desde a época em que os franceses governavam. Tudo funcionava normalmente.
Portugal é um dos países mais pequenos do mundo. A sua densidade populacional é relativamente elevada. A dispersão geográfica dos habitantes é pouco significativa.
As coisas estão facilitadas, nessa matéria.
Para quem se interessa por estes assuntos, é importante visitar o Museu das Comunicações, em Lisboa. Trata-se de um espaço notável.
Nos últimos dias, os correios portugueses têm atravessado algumas dificuldades, sendo os atrasos expressivos. Segundo se afirma, é dada prioridade aos vales de pensões de reforma e às notificações judiciais dos tribunais.
Pois precisamente neste momento, há dias atrás, eu procedi ao adiamento de um julgamento, por uma razão inconcebível. É totalmente insólito.
O arguido mora na Caparica, no concelho de Almada.
Foi-lhe enviada uma carta a convocá-lo para o julgamento, informando-o da respectiva data.
O envelope veio devolvido pela estação dos Correios.
A inexplicável causa do retorno vem redigida no sobrescrito.
O motivo é espantoso. A zona onde ele mora não tem distribuição postal.
É inacreditável.
Em Portugal do século XXI, tem de se adiar um julgamento visto que o arguido reside num local onde não há distribuição postal.
É difícil haver algo de mais inaudito.
Agora tem de lá ir um polícia avisar o arguido da data em que ele vai ser julgado.