quarta-feira

TRAGÉDIA URBANA




Normalmente, é nos meios rurais que as questões de propriedade, por vezes, terminam em tragédia. O direito de passagem por um terreno do vizinho, uma questão de águas ou alguma discussão sobre delimitações pode terminar à sacholada ou com tiros de caçadeira.
Nas cidades, tudo se fica por insultos, pequenas agressões ou danos no automóvel.
Infiltrações ou repasses para o andar inferior, ruído excessivo, roupa estendida para além dos limites da fracção de cada um, sujidade nas partes comuns do prédio, obras clandestinas que incomodam os vizinhos: tudo tem consequência grandes desentendimentos, mas que, felizmente, não implicam a perda de nenhuma vida.
No entanto, conheço uma situação seriamente dramática.
Os pais de um jovem tinham-se divorciado, mas o episódio não o marcou muito negativamente.
Fez os seus estudos com sucesso. Aos vinte e três anos, já ganhava razoavelmente e decidiu adquirir um apartamento, recorrendo ao crédito bancário.
Mesmo assim, a prestação mensal ainda significa uma parte importante do seu salário. Deste modo, para evitar mais despesas, decidiu continuar a viver com o pai, com quem residia ultimamente.
A sua nova casa, acabada de adquirir, permanecia devoluta.



PEDREIRO

Sucede que, mais ou menos simultaneamente, a mãe deste jovem trabalhador iniciou uma relação marital com um outro indivíduo, pedreiro de profissão.
O filho tinha muito amor pela progenitora, embora já não residisse com ela há algum tempo. Decidiu propor-lhe que ela passasse a morar, com o seu companheiro, naquela casa que mantinha inabitada.
A mãe aceitou, mas quis dar uma contrapartida mensal. Todos os meses, ia pagando ao próprio filho uma quantia em virtude de estar a utilizar aquela casa.
Muito se haveria de discutir, posteriormente, se se tratava realmente de uma renda ou de uma ajuda financeira da mãe para o filho. Seria uma espécie de mesada ou o que resultava de um arrendamento?
A verdade é que o apartamento acolheu aqueles dois novos habitantes. Como ele era pedreiro, realizou algumas obras, nas quais gastou dinheiro e muitas horas de trabalho.
Malogradamente, a mãe do jovem não conheceu ali grandes momentos de felicidade.
O seu companheiro revelou-se agressivo e batia-lhe com frequência. Como sucede amiúde, nestes casos, ela viu-se forçada a abandonar a casa.
Ali permaneceu o homem, já sem a sua companheira, que não o queria mais ver à frente.
É claro que, para o dono do imóvel, tal situação não fazia qualquer sentido.
Tinha cedido a casa a sua mãe. Sendo ela maltratada pelo companheiro e deixando de residir no local, era absurdo esse mesmo homem continuar a habitar nessa casa.
Mas o homem tinha outra visão.
Continuava a depositar, todos os meses, a quantia na conta bancária do dono da casa. Para ele, não havia dúvidas de que era uma renda paga ao senhorio.
Por outro lado, fizera obras de beneficiação no apartamento e não ia ter um prejuízo daqueles, assim, de um momento para o outro, somente porque a sua companheira decidira abandoná-lo.
Viviam em união de facto e o arrendamento era válido para os dois. Tal qual como se fossem marido e mulher, casados no registo, com papel assinado.
O jovem proprietário da casa não tinha grande boa vontade para com ele, considerando a forma como a sua mãe fora tratada.
Mesmo assim, decidiu conversar com o homem e fazer ver-lhe que deveria abandonar o imóvel. Mas ele mostrou-se irredutível.
Então, o jovem remeteu-lhe uma carta, concedendo-lhe um prazo de trinta dias, para que a casa fosse entregue.
Decorrido esse período, o indivíduo continuou a lá morar.
Foi então que o jovem decidiu abordar o homem, com maior firmeza, dizendo-lhe que todos os limites tinham sido ultrapassados.
Deslocou-se até ao apartamento que originava todo aquele conflito. Ia acompanhado do pai, ex-marido da senhora que ali também vivera, já com um novo companheiro.
Os dois iam determinados, mas foram mal recebidos.
O homem pegou numa faca e espetou-a vezes sem conta no corpo do mais velho. O jovem viu o pai morrer à sua frente. Correu a chamar a polícia.
Quando os agentes chegaram, o tresloucado ainda pontapeava e insultava o cadáver.