sábado

FUTUROLOGIA



A previsão do futuro é um dom magnífico.
A vontade de conhecermos o que vai suceder em tempos que virão é algo de natural e, em muitos casos, reveste utilidade.
Há quem recorra a astrólogos, adivinhos, tarólogos ou espíritas.
Eu prefiro consultar as previsões meteorológicas, consultar as tabelas de marés, ler artigos de analistas de economia ou ver os resultados de sondagens.
Sei que o grau de falibilidade é grande.
Nem mesmo em áreas científicas muito avançadas, a previsão do futuro é assim tão fácil.
Em certos casos, é possível fazer uma análise genética e determinar se um bebé virá ou não a sofrer certa doença fatal, quando atingir a idade adulta, embora nem todos os pais o desejem saber.
Todavia, nem sempre se verifica esse rigor.
O meu dentista não me garante o que vai suceder com os meus dois dentes inferiores frontais. A tendência para a acumulação de tártaro e um possível recuo da gengiva pode bem determinar, que, daqui a uns vinte anos, eu os venha a perder. Por mais cuidados que tenha, é impossível prever que eles se vão manter.


ATROPELAMENTO

Há dias, o perito médico do tribunal dizia-me não saber afirmar o que iria acontecer com um jovem de catorze anos, que foi atropelado.
A vítima ficou a sofrer de um ligeiríssimo encurtamento de uma das pernas. Presentemente, é mínima a tendência que ele tem para claudicar.
No entanto, o clínico não sabe afirmar como se passarão as coisas quando o rapaz vier a atingir os quarenta anos de idade.
A carga sobre uma das pernas será sempre superior e haverá um certo sobrepeso que pode ir agravando a situação e, eventualmente, determinar que ele venha mesmo a coxear seriamente ou ter dificuldades sérias em locomover-se.
Como se pode imaginar, para mim, como juiz, seria bem útil ter uma exacta previsão do futuro, quanto a este caso. Ajudar-me-ia imenso para determinar o montante da indemnização.
Já o perito médico manifestou uma opinião bem mais humana e completamente diferente. Para ele, é positivo que não se consiga prever tudo:
- Ainda bem que eu não consigo determinar como será a vida deste jovem daqui a vinte e cinco anos. Imagine que eu estaria agora a dizer que ele vai passar a ter de usar bengala, só poderá conduzir veículos com caixa automática, terá muitas limitações na prática de desporto e ficam-lhe vedadas uma série de profissões. Estaria a fazê-lo sofrer, com uma antecedência desnecessária.



SOPA

Os processos judiciais de acidentes com crianças ou jovens são, efectivamente, dos mais impressionantes.
Certa vez, no Cartaxo, uma menina de cinco anos de idade, encontrava-se no infantário.
Uma auxiliar transportava uma terrina de sopa, muitíssimo quente.
Conjugaram-se uma série de infortúnios.
Em primeiro lugar, o sistema de colocação dos alimentos, nos dois espaços onde as crianças comiam, não era o melhor. Implicava que os que tinham idade superior a três anos faziam um certo percurso, até se sentarem à mesa.
Havia algumas falhas. Na medida em que se encontrassem sempre acompanhadas, seria improvável suceder algum acidente.
Mas naquele dia fatídico, quando as crianças se encontravam num corredor, a educadora teve de atentar particularmente numa delas, a fim de lhe ministrar um medicamento.
Ora todos os meninos encontravam-se sossegadinhos, quando surgiu a tal auxiliar, que embateu contra uma menina.
A sopa entornou-se sobre a criança, causando queimaduras no pescoço e no peito.
Era Inverno e a menina envergava uma camisola de lã de gola alta. Mas o líquido penetrou-lhe através do pescoço.
Uma falha assinalável foi cometida.
Duas auxiliares encarregaram-se de prestar apoio à vítima e decidiram não lhe retirar o vestuário, mantendo a camisola vestida. Tinham medo que fizesse mal.
É fácil compreender que tal foi muito prejudicial. O líquido quentíssimo manteve-se em contacto com a pele da criança, agravando significativamente as lesões.