quinta-feira

PEDIR JUSTIÇA




É fácil compreender que os juízes não são funcionários públicos.
De acordo com a tradicional separação de poderes, existem três domínios que permanecem isolados uns dos outros: o Parlamento, o Governo e os Tribunais.
Por essa razão, os juízes são titulares de um órgão de soberania. Além disso, cada juiz é independente. Não recebe ordens ou instruções.
Vejamos agora o que se passa com o Ministério Público. Esta corporação constitui um organismo que representa o Estado nos Tribunais. Os cidadãos têm advogados que agem em seu nome. O Estado conta com o Ministério Público para representá-lo. A Procuradoria-Geral da República é o órgão de cúpula do Ministério Público, que superintende todas as suas actividades.
Deste modo, os Magistrados do Ministério Público não são independentes. Devem obediência ao Procurador-Geral da República. Estão sujeitos a uma hierarquia. Cada um destes magistrados tem superiores hierárquicos. A única excepção é o próprio Procurador-Geral. Ninguém está acima dele.


TELEGRAMA

Portanto, o Ministério Público é dotado de autonomia. É uma instituição destacada dos outros organismos do Estado.
Em que medida é isto importante?
É fundamental que o Governo não interfira na actividade do Ministério Público.
Indo directamente ao pormenor: é essencial que o Ministro da Justiça não se imiscua na função dos magistrados.
Em 1957, alguns cidadãos enviaram um telegrama ao Ministro da Justiça. Protestavam contra as condições em que se encontravam encarcerados os presos políticos em Peniche.
Os 19 subscritores da mensagem foram levados a julgamento. Eram acusados de divulgar notícias falsas, susceptíveis de causar alarme e inquietação públicas.
António Furtado dos Santos era o Magistrado do Ministério Público, a quem competia pugnar pela acusação contra os réus. Terminado o julgamento, o juiz deu-lhe a palavra para alegações. O jurista pronunciou-se e pediu a absolvição de todos. Salientou que o telegrama tinha carácter confidencial. Portanto, nunca poderia provocar alarme e inquietação públicas.
O principal visado não gostou mesmo nada desta atitude honesta e corajosa.
O Ministro da Justiça insurgiu-se e emitiu uma nota oficial, censurando o magistrado. Afirmou que ele nunca poderia ter defendido a absolvição dos réus. “Deveria, na pior das hipóteses, ter-se limitado a pedir justiça” – disse o governante.
O caso vem relatado no mais recente livro de Irene Flunser Pimentel: A História da PIDE.