segunda-feira

REBELDE WAY



Muitas pessoas ficaram indignadas pelo facto de o Ministério dos Negócios Estrangeiros ter financiado a edição de um livrito de pouca valia. Trata-se da autobiografia de um ex-diplomata aposentado, conhecido pela alcunha de Tremido, que apresenta uma apagada carreira.
O autor refere-se de forma profundamente injusta ao Grande Herói Nacional que é Aristides de Sousa Mendes. O resto do livrinho é composto por auto-elogios de pouco interesse. Contém ainda insistentes ataques pessoais rebeldes a figuras com quem o indivíduo não simpatiza.
O pleno respeito pela liberdade de expressão implica ter de aceitar a existência e venda de obras de todo o tipo. Mesmo as de enorme baixeza, como esta.
Agora o que se questiona legitimamente é determinar quais são os critérios editoriais dos Negócios Estrangeiros, em concreto do Instituto Diplomático. Qualquer manuscritozito – por mais inferior que seja – é logo publicado, sem mais nem menos?
“Uma Autobiografia Disfarçada” poderia ter sido vendida como edição de autor. Ou, então, sob a chancela de uma empresa privada, se alguma editora mais radical nisso estivesse interessada.


LIBERDADE
Felizmente, em Portugal, a liberdade artística, a manifestação do pensamento e a livre expressão encontram consagração de forma muito ampla.
Geralmente, são frustradas as tentativas de cercear tais direitos.
José Maria Tallon recorreu ao tribunal, visando proibir a venda de uma obra publicada pela sua ex-mulher. Nada conseguiu.
Também pela via judicial, Margarida Rebelo Pinto procurou impedir a venda de um livro de João Pedro George, crítico da sua obra literária. Do mesmo modo, a escritora não obteve sucesso.
Quando a tradução portuguesa de Mein Kampf foi profusamente colocada à venda nas livrarias, algumas pessoas sentiram-se incomodadas. Mas o livro não deixou de ser comercializado, em larga escala.
Apenas Tomás Taveira conseguiu obter a decisão de um juiz que vedou a reedição do primeiro número de uma revista. Na publicação, figuravam imagens relativas à vida íntima do arquitecto.


OUTRA VEZ À VENDA?
Regressando à tal “autobiografia disfarçada” do ex-diplomata, a edição foi de apenas mil exemplares.
Não haverá muitos mais disponíveis.
Seria impensável que o Ministério dos Negócios Estrangeiros republicasse a obra.
É certamente controversa a questão de saber a quem pertencem os direitos de autor. Mesmo não tendo existido contrato escrito, é discutível se a faculdade de reeditar a obra pertence ao autor ou ao Ministério.
Como suposição hipotética, admitamos que o ex-diplomata conservaria os direitos de autor.
Nesse caso, seria inaceitável que uma editora responsável desse cobertura a um texto repleto de insolências, panegíricos pessoais, destilação de invejas e desrespeito por figuras que desempenharam papéis fundamentais na História. Designadamente, seria imperdoável que um escrito tão desequilibrado como este viesse a ser reeditado por uma casa séria, dedicada a livros de teor académico e científico, enquadrada no sensato ambiente universitário coimbrão. Além de irremissível, consistiria numa atitude que traria desprestígio a quem realizasse tal segunda publicação.
O Tremido que faça uma edição de autor.