sábado

RENDIÇÃO



Merece reflexão o bárbaro assassinato de Maximino Clemente. Ele era casado com Glória Nunes, candidata à freguesia de Ermelo, pelo PSD.
O homicida foi António Cunha, que concorria nas listas do PS.
Um primeiro ponto a salientar é a desistência do PS, no acto eleitoral que se vai repetir, por não ter sido concluído no dia da tragédia. Com muito sentido de responsabilidade, o partido declarou não se rever no comportamento do seu candidato.
Depois, o tratamento dado pelos meios de comunicação social tem sido o mais natural. Relata-se o ocorrido, incluindo a entrega do assassino às autoridades policiais, após um período em que se encontrava em paradeiro incerto.
Não se verificam inúteis referências a “alegado” homicídio, “suposto” autor do crime ou “suspeito”.
Assim, estamos a agir como se faz em qualquer democracia moderna.
Retiram-se as ilações políticas, que imediatamente se podem extrair. Nos media, não se insiste desnecessariamente na presunção da inocência, que é matéria respeitante ao tribunal.

TACHOS À VENDA
Note-se o que ocorreu nos Estados Unidos, em Dezembro passado.
Barrack Obama deixou um lugar vago no Senado.
Rod Blagojevich era a pessoa que maior poder tinha para decidir quem iria preencher o cargo. Ele desempenhava as funções de Governador do Estado de Illinois.
Rod resolveu aproveitar a oportunidade para ganhar algum.
Efectuou vários contactos com milionários da região e tentou vender-lhes o importante lugar de Senador.
O esquema foi denunciado e o Governador acabou preso.
O Partido Democrata retirou-lhe a confiança e ele foi demitido do seu cargo. Tudo antes de o caso ser apreciado pelo tribunal, que o condenará se o julgar culpado.
Esta atitude pronta e séria foi, na altura, devidamente elogiada, entre nós, pelo Professor Saldanha Sanches.



PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Tal leva-nos a ponderar sobre a presunção de inocência.
Como é reafirmado constantemente, o arguido presume-se inocente até que seja condenado por um juiz.
Realmente, este princípio encontra-se consagrado na Constituição e no Código de Processo Penal.
No entanto, nem sempre é bem compreendido.
Em primeira linha, tal significa que, ao iniciar o julgamento, o juiz deve partir do pressuposto de que o arguido é inocente. Somente no caso de se fazer prova de que ele cometeu um crime, poderá condená-lo. Mais: se houver dúvidas, deve absolvê-lo.
Ao elaborar a sentença, o juiz irá abordar quatro questões, por uma determinada ordem.
Em primeiro lugar, decidirá se realmente foi ou não praticado um crime. Seguidamente, compete-lhe determinar se o arguido é o autor do delito. Depois, pronuncia-se sobre se ele agiu intencionalmente, ou seja, com dolo. Finalmente, se a resposta for afirmativa às matérias anteriores, conclui pela pena a aplicar.
O princípio da presunção da inocência vincula o juiz.
Não obriga, necessariamente, todas as outras pessoas.

O SUSPEITO
São numerosos os casos em que a vítima de um assalto identifica o bandido, de modo categórico. Seria demais pedir-lhe que se referisse ao “alegado roubo” e ao “suspeito”.
Por outro lado, o magistrado do Ministério Público é, por assim dizer, o advogado de acusação.
Cabe-lhe acusar o arguido da prática de um crime. Requer o julgamento de uma pessoa contra quem existem indícios de haver cometido um delito, descreve os factos que lhe imputa e pugna pela sua condenação. O procurador não presume que o arguido se encontra inocente. Pelo contrário, no libelo acusatório, afirma que ele é culpado.
No decurso do julgamento, não se pede às testemunhas que tenham o arguido por inocente. Sobretudo aqueles que o viram a praticar o crime, escusam de fingir que ele é apenas um suspeito. Perante o juiz, relatam o que presenciaram, sem preocupações quanto ao que declaram relativamente à autoria dos factos.
Nos meios de comunicação social, só nalguma medida se impõe a presunção da inocência.
Se um homicida confesso aguarda julgamento, não faz sentido ignorar que ele admitiu a infracção. É desnecessário invocar o “alegado criminoso” ou dizer que a vítima terá sido supostamente assassinada.
Do mesmo modo, se um assalto é presenciado por várias pessoas que identificam os ladrões e estes são capturados em flagrante delito, não se vê motivo para os jornalistas tratarem o assunto como se o caso estivesse sob investigação e houvesse dúvidas relativamente a quem cometeu o crime.
Já em casos em que não se verifica flagrante delito e em que o arguido nega a prática dos factos, compreende-se que os media sejam particularmente cautelosos. Não se devem precipitar em juízos de culpabilidade.