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O AMIGO TOMÉ FETEIRA


Anteriormente, referi-me ao último ministro dos Negócios Estrangeiros do Estado Novo. Rui Patrício conta que foi o único a comparecer no seu gabinete, na manhã de 25 de Abril de 1974. Segundo o ex-governante, os outros ministros “ficaram em suas casas, tranquilamente”.
Tal não corresponde à realidade, como eu já tinha adiantado.
Pelo menos, Silva Cunha, titular da pasta da Defesa, Moreira Baptista, do Interior e Andrade e Silva, Ministro do Exército, foram para o Terreiro do Paço. Também aí se encontrava o subsecretário de Estado do Exército, Viana de Lemos. Um pelotão do regimento de cavalaria 7 estava presente a seu lado.
Os membros do Governo eram acompanhados por uma personagem do regime. Trata-se de uma figura muito interessante: o Almirante Henrique Tenreiro.
Muito ligado a Salazar, permaneceu fiel ao presidente do conselho subsequente: Marcello Caetano.
Tenreiro desempenhou inúmeros cargos públicos, tendo-se destacado no sector das pescas. Acumulou algumas poupanças. Mesmo durante a ditadura, havia quem manifestasse dúvidas quanto à proveniência de tanto dinheiro. Após a revolução, choveram queixas sobre ofertas indevidas que ele teria recebido, a troco de favores.
Um dos maiores desgostos de Tenreiro foi completar 70 anos de idade, em 1971. Por lei, teria de se aposentar. Mesmo assim, foi-lhe concedida uma autorização especial. Assim, o Ministro da Marinha nomeou o Almirante como presidente do tribunal militar de marinha, onde poucos julgamentos se realizavam.
Em Setembro de 1973, Henrique Tenreiro deixou definitivamente o serviço público.


SEM PARAR

No entanto, continuou muito activo e influente junto de quem detinha o poder. Era muito próximo de Américo Thomaz, o Chefe de Estado e mantinha grande ligação a Caetano, o presidente do conselho.
Por isso, não é de estranhar que, na manhã da revolução, ele estivesse com o titular da pasta do Interior e os ministros militares.
E, com efeito, Tenreiro veio a desempenhar um importante papel.
Como relatei, havia um pelotão fiel aos membros do governo. Sucede que, pouco depois das 6 da manhã, esse corpo de militares entrou em conversações com camaradas do movimento das forças armadas. Rapidamente, o pelotão passou para o lado dos revoltosos. Esta viragem é bem retratada no filme de Maria de Medeiros.
Os governantes viram-se em apuros.
Tenreiro colocou-se no centro dos acontecimentos. Quando ele tinha 26 anos, tomara conhecimento de uma passagem secreta existente no Ministério do Exército. A mesma dava acesso à Rua do Arsenal, com saída junto ao edifício da câmara municipal.
Bastou quebrar uma parede falsa. Todos escaparam pelo buraco aberto e acederam àquela zona quase sem movimento.
No dia seguinte, os jornais publicaram fotografias da abertura por onde passaram os fugitivos. Foi um dos episódios mais pitorescos do 25 de Abril.


A TENÇA

Tenreiro foi preso e ficou privado da liberdade durante 20 meses. Exilou-se no Brasil. Já sem os meios económicos de outrora, encontrou um bom amigo: Tomé Feteira, o milionário que legou uma fortuna a Rosalina Ribeiro, assassinada recentemente. Feteira pagava mensalmente uma espécie de tença a Tenreiro, o que lhe permitia viver confortavelmente.
Preso e depois exilado, vivendo desta generosa ajuda, o Almirante Henrique Tenreiro aproximava-se dos 80, sem o poder de outrora.
Entretinha-se a contar histórias do passado. Particularmente agradava-lhe apresentar a sua versão do 25 de Abril, muito efabulada.
Partia sempre daquela célebre fuga pela passagem secreta, que, efectivamente, fora bem real e de sua iniciativa.
Posteriormente, seguiam-se descrições mais próprias de um filme de espionagem e desmentidas por narrações de outros intervenientes.


A FUGA

Na manhã de 26 de Abril de 1974, Tenreiro encontrava-se no Quartel do Carmo, vigiado por militares da GNR. Contudo, evadiu-se, juntamente com o seu secretário. Contou com o facto de os capitães Bravo Ferreira e Virgílio de Carvalho terem admitido que ele se ausentasse discretamente.
A história contada pelo fugitivo era completamente diferente.
Com a sua perspicácia, Tenreiro apercebera-se de que duas sentinelas se encontravam momentaneamente distraídas. Então, conseguiu persuadir um jovem soldado, que lhe abriu uma porta.
A parte mais grotesca e obviamente exagerada vem quando ele diz que se deparou com muitos populares na rua. Decidiu, então, colocar uns óculos escuros, fazendo-se passar por cego, agarrado ao braço do secretário.
Todas estas ocorrências e muitas outras, igualmente interessantes, encontram-se mencionadas no livro de Álvaro Garrido, “Henrique Tenreiro – Uma biografia política”.