sexta-feira

UMA PRECIOSIDADE QUE NÃO É CARA

(Supermercado Intermarché de Azeitão, 29 de Outubro de 2010)

Quando um indivíduo é apanhado na posse de uma pequena quantidade de estupefacientes, coloca-se logo um problema. É o de saber se a droga era para consumo próprio ou se se destinava a ser vendida.
O consumo de estupefacientes foi despenalizado.
Como é óbvio, um sujeito revistado pela polícia, afirma logo que iria consumir a droga encontrada em seu poder. Não diz que é para comercializar.
É difícil obter depoimentos de pessoas que lhe tenham comprado produto idêntico. Por vezes, a autoridade efectua vigilâncias. Captam-se imagens fotográficas em que claramente se vê uma grande proximidade entre consumidor e traficante. Até pode ser notória a troca de objectos. Mas é muito difícil pôr um destes compradores a falar. Eles receiam represálias por parte dos traficantes. Preferem dizer que apenas conversaram e que nenhuma transacção foi realizada.
No domínio do haxixe, alguns dados podem ajudar a determinar se o possuidor da substância tencionava vendê-la.
Uma navalha ou um canivete significa geralmente que a droga é separada em várias doses. Então se já se encontrar dividida, as coisas ficam ainda mais esclarecidas.
A existência de uma balança de precisão também revela que a pessoa procede a segmentação em várias porções.
No caso de o suspeito ter consigo um número razoável de notas de banco, é muito provável que as mesmas provenham do tráfico.



BANHADA

Há um outro indício curioso, mas bem seguro. Frequentemente, a polícia apreende cannabis, mas também caldos Knorr.
Este ingrediente culinário é utilizado por traficantes, com uma de duas finalidades.
Pode servir para misturar com a cannabis e obter-se-á aquilo que é designado por haxixe traçado com caldo Knorr. Fica uma mistela de fraca qualidade. Simplesmente, duplica a quantidade de produto. Em vez de cem gramas de bom haxixe, o traficante vende duzentos gramas de mixórdia.
Naturalmente, se o arguido tem consigo estes caldos, a finalidade da droga é a venda. Ninguém vai adicioná-los ao haxixe, para depois consumir.
Os caldos Knorr podem ainda ter uma utilidade mais pérfida: enganar completamente o comprador. Bem amassados, adquirem uma aparência semelhante à cannabis. O negócio é feito rapidamente e o consumidor nem se apercebe que está a pagar bom dinheiro por um bocadinho do famoso aditivo alimentar.
Estes golpes são conhecidos como “banhadas”. Dá-se a banhada quando se engana um toxicodependente. Vende-se um estupefaciente adulterado. Ou, então, entrega-se mesmo uma substância que não tem nada que ver com droga.
Banhada é uma outra forma de dizer balde de água fria, ou seja, uma desagradável surpresa ou desilusão.
Em muitos casos, estes pequenos vigaristas são, também eles, toxicómanos. Desesperadamente buscam uma maneira rápida e fácil de arranjar dinheiro para comprar droga da boa.
Nem sequer se dão ao trabalho de comprar os caldos Knorr. Vão ao supermercado e abastecem-se sem pagá-los na caixa.
O que eu ignorava é que, para o efeito, só os caldos de galinha servem. Os de carne, legumes ou peixe podem estar expostos à vontade que ninguém os subtrai.


EXCESSIVAMENTE ERRADO

Por motivos” de roubo parece que é gramaticalmente correcto, apesar de o crime se encontrar no singular. Tanto vale dizer “por motivo” como mencionar “por motivos”.
Também não se afigura errado dizer que há roubos no supermercado. Juridicamente, são furtos, porque realizados à socapa. Segundo o Código Penal, o roubo pressupõe um confronto com a vítima.
Sintaxe à parte e leis de lado, eu compreendo o que serão roubos em número elevado ou grande quantidade de roubos.
Agora, custa-me entender a noção de “roubo excessivo”.
O roubo é invariavelmente excessivo. Não estou a ver um roubo comedido, parcimonioso, moderado ou razoável. Muito menos concebo roubos insuficientes.
Em latim, excesso quer dizer saída. Êxodo, proveniente do grego, tem a mesma acepção. Em sentido figurado, significava morte, transbordar, ultrapassar os limites ou levar as coisas ao extremo.
Há quem coma em excesso, os que se alimentam adequadamente e aqueles cuja nutrição é carente.
Só se pode falar em excesso relativamente a algo que é normal fazer.
Ora qualquer que seja o roubo é sempre inadmissível.
Muitos roubos, numerosos, profusos, em abundância, copiosos: isso já sei do que se trata.