sábado

AFINAL, FOI OU NÃO RAPTADA?




No passado mês de Fevereiro, uma actriz portuguesa anunciou que havia sido convidada para assistir à cerimónia de entrega dos Óscares, em Hollywood. Infelizmente, não compareceu. Foi raptada por dois criminosos, que a levaram para Sintra. Não apanhou o avião e, consumada a cerimónia nos Estados Unidos, libertaram-na.
Posteriormente, admitiu à própria polícia que era tudo mentira. Nem sequer reservara a passagem aérea. Queria apenas protagonismo.
Consequentemente, a artista, pouco convincente nesta encenação, é agora arguida, por ter cometido uma simulação de crime.
Esta infracção é relativamente comum, no que toca a furtos de automóveis.
Em muitos casos, uma pessoa vai à esquadra e queixa-se de que “roubaram-lhe” o carro. Passados uns dias ou umas horas, a viatura é localizada.
Curiosamente, vem-se a saber que o veículo esteve envolvido num acidente. E, por tal sinal, nem havia seguro que cobrisse os danos.
Ou seja, o proprietário do automóvel pretende eximir-se à responsabilidade relacionada com o desastre, visto que circulava sem apólice válida.


PENDURADA NUMA ÁRVORE


Certa vez, deparei-me com um caso que revestia contornos bem mais delicados.
Cabia-me julgar uma jovem, acusada de ter simulado dois crimes.
Ela acusou o ex-namorado de a ter raptado. Apontando-lhe uma faca, obrigou-a a deslocar-se até uma área mais despovoada. Aí, forçou-a a manter relações sexuais.
Ele esteve preso durante quatro meses. Até ao dia em que a rapariga declarou ter sido tudo uma invenção da sua parte.
O processo não podia ser arquivado com uma mera desistência da queixa. O rapto constitui crime público. É impossível retirar a participação criminal.
Os papéis inverteram-se. A jovem sentou-se no banco dos réus, acusada de praticar um crime de denúncia caluniosa. Segundo o Ministério Público, ela apresentara uma queixa, bem sabendo que os factos relatados não correspondiam à verdade.
Na primeira sessão do julgamento, a arguida remeteu-se ao silêncio.
O seu ex-namorado lamentou-se das agruras do cárcere, da ostracização sofrida na própria cadeia, do desprezo a que o votavam os outros reclusos, da perda do emprego e da desconfiança de todos após a sua libertação.
Exigiu até uma indemnização contra a acusada.
No final do julgamento, a moça disse-me que desejava falar. Ouvi-a.
Mudou tudo novamente. Ela esclareceu que, afinal, tinha sido mesmo raptada e violada. Porém, a dada altura, vira-se constrangida a desmentir-se a si própria. Fora abordada por familiares do seu antigo namorado, que se encontrava atrás das grades. Os parentes do preso aconselharam-na a ir à polícia, contradizer-se. Caso contrário, ela acabaria morta, pendurada numa árvore, pelo pescoço.
Num caso destes, não é fácil saber onde está a verdade e de pouco vale a ciência forense.