terça-feira

HOSPITAL, CASINO OU PRISÃO?


Todos sabemos que o primeiro-ministro passou parte da sua infância em Angola, no período correspondente ao ensino primário.
Seu pai é médico. Fora convidado para dirigir o novo Hospital Sanatório de Luanda. O clínico partiu em 1970, antes de concluída a obra daquela unidade, por forma a preparar a sua instalação.
Da passagem de António Passos Coelho por África, resultou um interessante livro de memórias: “Angola – Amor Impossível”.
Aí, ele relata um curioso episódio com contornos judiciais e supostamente clínicos também.
Um médico inspector, conhecido pela sua arrogância, cometera um acto imperdoável. Um negro ia assaltar a casa deste indivíduo. Contudo, deparou-se com o proprietário e desatou a fugir.
O dono da residência não hesitou. Pegou na sua pistola e atingiu o meliante pelas costas, pondo-lhe termo à vida.
Obviamente, não se estava perante legítima defesa. Mas ainda se poderia alegar que o médico tinha actuado no errado pressuposto de que o assaltante não fugia, mas dirigia-se sim ao encontro da casa. Era de noite e a confusão seria admissível.
 

UMA AJUDINHA


No decurso do julgamento, o juiz quis ajudar o réu:
- Certamente, no meio daquela escuridão, o Senhor Dr. não se apercebeu que o falecido estava de costas, a fugir. Perturbado com a presença do intruso, pensou que ele ia dirigir-se a si. Por isso, disparou contra ele. Foi assim, não é verdade?
Sobranceiro, o acusado recusou aquela boa vontade do magistrado:
- Nada disso, Senhor Dr. Juiz. Eu vi bem que ele estava de costas, a fugir. Abati o homem, para o capturar.
Nestas condições, é claro que o tal médico inspector foi condenado a pena de prisão efectiva.
Toda a gente imaginava que ele iria cumprir a sentença na recém-inaugurada cadeia do Capolo, junto a Kuito (antiga Silva Porto). Tratava-se de um estabelecimento prisional modelar, com adequadas condições e que proporcionava trabalho a todos os reclusos, num amplo espaço rural. A única desvantagem é que se situava num local isolado. Tal dificultava a visita dos familiares.
António Passos Coelho conhecia bem esta prisão, pois ali servira como médico, antes da inauguração do sanatório.



REMÉDIO SANTO


Ora logo após a condenação daquele médico inspector pelo crime de homicídio, surgiu uma grande novidade. Dois colegas dele atestaram, sob compromisso de honra, que lhe fora detectada uma tuberculose pulmonar. Tornava-se impossível mandá-lo para a cadeia.
Ele teria de ir para o novo Hospital Sanatório, sob prisão.
Quando António Passos Coelho tomou posse como respectivo director, deparou-se com este facto consumado. Obviamente, não lhe competia observar o “doente” e verificar se o diagnóstico estava ou não correcto.
Porém, não contemporizou com a situação que se veio a criar com a admissão daquele médico, condenado e “tuberculoso”.
Naturalmente, as visitas aos pacientes decorriam durante o período do dia.
Pois o médico inspector recebia amigos a toda a hora. O enfermeiro-chefe queixava-se de que, à noite, chegavam uma série de pessoas que se juntavam ao suposto doente, para jogar king e bridge. Chegavam a formar-se três mesas de jogo, provocando ruído num momento em que devia reinar o silêncio.
Nalguns meios, o hospital já era apelidado de sanatório-prisão e de sanatório-casino.
O Dr. Passos Coelho expôs superiormente a situação, exigindo que terminassem aquelas visitas nocturnas. Contudo, o problema não ficou resolvido.
Fez, então, um ultimato. Aquele internado especial teria de passar a respeitar o horário normal para receber visitantes. Caso contrário, António pediria a demissão do cargo de director.
É caso para dizer: foi remédio santo.
No dia seguinte, o médico assistente deu alta ao seu colega subitamente atingido por tuberculose e, pelos vistos, de rápida cura. Assim, o sanatório deixou de contar com a presença do médico inspector, condenado por matar um negro.