terça-feira

O MISTERIOSO CASO RELVAS



Relvas meteu-se numa embrulhada. Mas por que raio pensou ele que a solução seria cometer suicídio?
As pessoas mais desesperadas podem atingir vários estádios.
Num grau menos preocupante, limitam-se a ponderar a hipótese de colocar termo à vida.
Outros chegam ao ponto de reunir meios para tal. Por exemplo, municiam uma pistola com as respetivas balas. Ou, então, colocam-se à beira de uma janela, num andar elevado. Todavia, desistem e não concretizam nada.
Mais acima na escala, encontram-se os suicidas frustrados. Intoxicam-se, ingerindo comprimidos. Contudo, sobrevivem. Tentam a defenestração, mas não morrem após o embate no solo. Disparam, não sendo o tiro fatal.



TRAGÉDIA

Por último, estão os que alcançam o objetivo. Atentam contra a própria vida, de modo bem sucedido.
Carlos Relvas morreu assim. No dia seguinte a completar 35 anos, pegou num revólver. Apontou-o ao coração e alojou um projétil, que lhe trouxe a morte quase imediata.
Corria o ano de 1919.
Durante uns tempos, contou-se que o drama se devera a uma questão amorosa. Muito contrariado, cedendo à pressão dos pais, ele iria casar dias depois com Carlota. Até se difundiu o boato de que teria havido um jantar de noivado. O motorista da família via-se forçado a confirmar a mentira, mas baralhava-se. Ora dizia que a festança ocorrera em Sintra ora afirmava que tinha sido na capital.


PIANISTA

Na verdade, o que se passou foi muito diferente. É a versão mais consistente, igual à que figurava na carta de despedida. Certamente a missiva não foi lida apenas pela mãe do suicida, mas também pelo progenitor, que se deixou envelhecer num ápice depois da tragédia.
O talentoso pianista, que optou por aquela violenta morte, era um fervoroso republicano. Mais fundamentalista do que seu pai, José Relvas, o homem que proclamou a República, em 5 de outubro de 1910, na varanda da câmara municipal de Lisboa.
Carlos pertencia à Carbonária, muito radical e violenta. Esta sociedade secreta foi responsável por vários assassinatos, entre os quais o regicídio de 1908.
Pois a organização considerava que o pai de Carlos havia traído o espírito da revolução republicana. Relvas fora empossado como ministro das finanças. Introduziu o escudo, moeda que circulou em Portugal até 2002.
Mais tarde, como senador no Parlamento, adotava posições tidas como excessivamente moderadas pelos drásticos carbonários. Estes decidiram que era fundamental levar a cabo um atentado contra o político de Alpiarça.



CHOÇA

Tomada posição, importava determinar quem executaria o ato criminoso. Teria de ser um dos vinte membros integrados na choça a que pertencia o próprio Carlos Relvas, filho da vítima.
Em reunião solene, os Primos fizeram passar uma caixa. Nela encontravam-se diversas bolas alvas e uma única de cor preta. Quem agarrasse esta última, ficaria incumbido da missão.
A Carlos coube o azar de ser o escolhido. O seu dever de rachador sobrepor-se-ia ao respeito filial.
Colocado perante tal dilema, o músico optou por uma via extrema, suicidando-se. Nunca iria matar o próprio Pai, por muito significativa que fosse a sua obrigação de obediência à infame agremiação.
Após a tragédia, seu pai, abaladíssimo, proibiu que o piano da casa de família voltasse a ser utilizado. Mandou trancar a porta do quarto pertencente ao descendente e, no testamento, ordenou que assim permanecesse para sempre, impedindo a entrada de quem quer que fosse.