domingo

ACIDENTE?



Vai ser facílimo apanhar a pessoa que atropelou Rúben Perdigoto, de 25 anos.
O atleta do Belenenses treinava individualmente, em Cascais, junto a um centro comercial. Foi colhido por um todo-o-terreno, que o deixou inconsciente e politraumatizado.
O automobilista fugiu e anda desaparecido.
Desconhece-se a matrícula do veículo. Mas sabe-se que é um Nissan Qashqai. Garantidamente, ficou amolgado, na parte frontal, do lado direito.
Quanto ao causador do sinistro, trata-se um homem. A seu lado ia uma mulher, no lugar do passageiro.
Há testemunhas oculares. O próprio desportista apercebeu-se que iria ser atingido e está convencido que foi intencional. Atropelaram-no propositadamente.
Quase de certeza, haverá imagens captadas por câmaras de vigilância. Permitirão identificar o carro e apurar as circunstâncias em que se deu a agressão.
Aliás, é benéfico que o motorista tome conhecimento de que será muito simples chegar a ele. Assim, o indivíduo preferirá entregar-se às autoridades, em vez de continuar a esconder-se.


HOSPITAL

Embora já tenha tido alta hospitalar, Rúben ficará impedido de treinar e participar em provas, nos próximos tempos. Vai ter de se sujeitar a fisioterapia.
Não há indemnização que pague estes prejuízos. Mas é de inteira justiça que lhe seja atribuída uma compensação pecuniária avultada.
Realmente, há situações em que um condutor tem um ataque de fúria e lança o seu carro contra um transeunte. Provavelmente, terá sido este o caso.
Por incrível que pareça, é precisamente nestas ocorrências que as companhias de seguros mais resistem a cumprir o seu dever de ressarcir o lesado. Aproveitam-se de uma suposta ambiguidade da lei, para arrastarem o processo no tribunal. Entretanto, vão tentando que, em desespero de causa, a vítima aceite um montante reduzido, para colocar termo ao litígio.


DESASTRADO

O problema é o seguinte.
Estão em causa acidentes de viação. Quando nós fazemos um contrato de seguro, pagamos à empresa para que esta assuma as obrigações, na eventualidade de acontecer um desastre. Por imperícia, devido a uma avaria, em consequência de distração, em virtude de condições atmosféricas difíceis, por força do mau estado da via ou por qualquer outra circunstância independente da nossa vontade, originamos uma desgraça. Então, como transferimos a responsabilidade para a empresa que emitiu a apólice, esta é a única a quem compete reparar os danos.
Ora, numa conjuntura de atuação deliberada, intencional, as seguradoras argumentam que tal já se encontra fora do âmbito do acordo que celebraram com o cliente. Se ele agiu propositadamente, o automóvel passou a ser a arma de um crime e não houve verdadeiramente um acidente, mas sim uma colisão propositada.
Numa perspetiva estritamente formal, até teria alguma lógica. Não faria muito sentido referirmo-nos a acidentes provocados dolosamente pelo condutor.




REGRESSO

Na realidade, a lei prevê expressamente estas vicissitudes. Em boa verdade, não existe nenhuma obscuridade na lei, que até é bem clara. A terminologia escapa um pouco ao léxico comum. Em matéria legal, acidente de viação é qualquer sinistro que envolva um veículo.
De maneira que a norma jurídica impõe a obrigação de a companhia de seguros indemnizar imediatamente a vítima. É irrelevante se houve crime ou não. Não importa se o condutor agiu maliciosamente, como objetivo pretendido de ocasionar a calamidade.
Depois de paga a compensação, a seguradora poderá fazer o seguinte. Move um processo judicial contra o seu próprio cliente, em tribunal. Provando-se que, realmente, o sujeito que ia ao volante procedeu de maneira acintosa, ele é forçado a reembolsar à companhia todos os montantes entregues à pessoa que sofreu com o choque.
Em Direito, fala-se no exercício do direito de regresso. Também é razoável. Efetivamente, ao aceitar aquele cliente, a companhia concorda em substituir-se a ele no que for devido por infortúnios, não por ataques propositados.
Por imposição legal, a indemnização é diretamente satisfeita ao sacrificado, no meio de tudo aquilo. Posteriormente, se conseguir, a seguradora obterá o dinheiro, exigindo o pagamento ao condutor.