quinta-feira

REFÉNS EM LISBOA



Tenho estado na Embaixada da Turquia, em múltiplas receções, sempre muito animadas e agradáveis.
Trata-se de um belo e austero edifício modernista, na linha dos projetados por Ruy Athouguia. Dispõe de gabinetes de trabalho e de uma aprazível área residencial. Insere-se numa zona primordialmente de arquitetura mais tradicional, no Restelo. Por isso, destaca-se entre as diversas representações estrangeiras ali situadas.
Nessas ocasiões de festa, as medidas de segurança excedem muitíssimo o que é normal em eventos do género na comunidade diplomática lisboeta. Habitualmente é tolerado o estacionamento de carros em cima do passeio da Avenida das Descobertas. Mas nas solenidades turcas, o aparato policial é de tal ordem que se torna inviável aquela infração.
Não admira que assim seja.
Há 32 anos, ocorreu ali o único caso, até hoje registado em Portugal, de tomada de reféns desde que o crime foi tipificado no código penal de 1982. Um grupo de cinco terroristas invadiu o espaço, armadilhando-o com explosivos. Causaram a morte da embaixatriz turca.
O ataque gerou a intervenção de estreia do grupo de operações especiais (GOE) da PSP.


BANDITISMO

A tragédia é agora relembrada numa admirável obra, cuja leitura aconselho: “Base Mike”. Os seus autores, João Paulo Ventura e Rui Dias, fazem a história da unidade de combate ao terrorismo da PJ.
O organismo foi criado em 1982, sendo então designado por direção de combate ao banditismo. A missão primordial era desmantelar as “FP-25”, infame quadrilha que sucedeu ao PRP-BR.
O objetivo foi alcançado. A 20 de junho de 1984, a operação Orion assumiu caráter decisivo. Facultou a posterior desarticulação total do grupo que se dedicava a atentados, muitos deles fatais.
Entretanto, diversas atuações paralelas tiveram lugar. Por exemplo, os bombistas que rebentaram com o escritório da Air France em Lisboa foram identificados e capturados já em Espanha.
O importante livro relata muitas das investigações efetuadas até março de 2014. A 24 desse mês, o departamento passou a funcionar nas novas instalações da polícia judiciária, à Rua Gomes Freire. No recente prédio contíguo à velha sede. Esta continua em pleno funcionamento. Construída através de mão-de-obra prisional, foi inaugurada em 1958.
Numa segunda edição, revista e aumentada, o volume poderá detalhar mais pormenorizadamente algumas averiguações.


SOURE E SOR

Alude-se também a um dramático crime ocorrido em Fernão Ferro, no Seixal, precisamente no momento em que tivera início o campeonato de futebol Euro 2004, no nosso país.
Diz-se que consistiu em “duplo rapto e homicídio de pai e filho”. Na verdade, os dois foram raptados. Todavia, somente mataram o mais velho.
Alega-se que o descendente foi transportado para Ponte de Sor e o progenitor para Soure. O que sucedeu foi exatamente o contrário.
Declara-se que os trabalhos policiais tiveram início “apenas com a notícia do desaparecimento dos ofendidos”.
Na realidade, o que ocorreu foi o seguinte.
Os criminosos trancaram o filho na casa-de-banho, mas não se aperceberam que o rapaz tinha em seu poder um telemóvel. De imediato, o moço ligou ao padrinho, contando o terror a que ele e o pai estavam sujeitos.
Logo, a GNR foi alertada e comunicou os factos à PJ, descrevendo que a casa das vítimas estava dominada pelos delinquentes.
Aliás, uma intervenção mais célere da polícia de investigação teria evitado o assassinato da vítima mortal.
O caso originou uma certa fricção entre os elementos da Judiciária de Setúbal e os seus colegas da capital. Os primeiros entendiam que lhes caberia a eles agir, atento o local do crime.
Só uns dias mais tarde, é que eu dei voz de prisão ao falso amigo do homem abatido a tiro. Era um velho conhecido da vítima. Dedicava-se ao comércio de alimentos dietéticos, sem sucesso algum. Sabendo que o outro guardava valores em casa, incluindo elevadíssimas quantias em numerário, orientou os operacionais para o rentável golpe, que incluiu também deslocações a bancos.
Quatro arguidos foram presos.
Mas aquele empresário falhado continuava em liberdade.
O indivíduo compareceu voluntariamente no tribunal de Ponte de Sor.
Contudo, eu apercebi-me que ele poderia empreender uma fuga à hora do almoço, provavelmente dirigindo-se para o país vizinho, caso concluísse que o interrogatório lhe seria desfavorável. Visto que não se colocavam entraves temporais na detenção, prontamente comuniquei-lhe que estava em reclusão a partir daquele momento.
Desanimado, o sujeito nem quis tomar a refeição, quando decretei uma pausa pelas 13h00m.