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BREVE HISTÓRIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR



Em setembro de 1975, foi criada a polícia judiciária militar com três justificações.
Os comandantes dos quartéis delegavam a investigação em subordinados que organizavam o processo antes de este seguir para o tribunal. Todavia, o pessoal castrense escolhido não se encontrava devidamente preparado e o corpo de delito ficava deficientemente instruído.
Em segundo lugar, o Código de Justiça Militar datava de 1925 e era muito semelhante ao primeiro, que fora aprovado 50 anos antes, ainda no século XIX. Desde as eleições de 25 de abril de 1975 que se falava da necessidade de rever o diploma, o que veio a tornar-se obrigatório por força da constituição. A futura legislação imporia uma nova corporação policial no seio das forças armadas.
Por outro lado, era indispensável imprimir mais rapidez às investigações de crimes marciais.
Esta última satisfação era a que mais ia ao encontro do motivo real.


LISTA

A verdadeira razão pela qual surgiu o serviço de polícia judiciária militar, como então era designado, foi a necessidade de controlar a polícia judiciária do Porto, que se encontrava sob a direção de um magistrado muito estimado pelo partido comunista.
Tratava-se de Álvaro Guimarães Dias, eminente jurista que terminou a sua carreira como juiz conselheiro no Supremo Tribunal de Justiça.
Quando ainda era estudante, viu-se envolvido em dificuldades sérias. Um antigo controleiro do PCP, Nuno Álvares Pereira, entregou à polícia política uma longa lista de estudantes comunistas, na qual figurava o nome do filho de comerciantes tripeiros.
Era sabido que o universitário militava no movimento de unidade democrática juvenil e que apoiara as candidaturas de Norton de Matos e de Humberto Delgado à presidência.


RAUL CASTRO

Após a revolução dos cravos, Guimarães Dias, com 40 anos, foi encarregue de liderar a polícia de investigação portuense.
O jurista era grande amigo de Raul Castro, não o ditador cubano, mas o comunista português que pontificava no Parlamento como deputado do MDP/CDE.
O profissional de leis concedeu uma importante entrevista a Miguel Carvalho, que se acha publicada na obra com o título “Quando Portugal Ardeu”, cuja leitura recomendo.


ÓDIO

Todos reconheciam a importante missão de Guimarães Dias no combate aos bombistas de direita. Mas dizia-se que os agentes sob a sua direção andavam distraídos quanto aos esquerdistas.
De maneira que nasceu um contrapeso. A polícia judiciária militar começou por estar sob o controlo da ala mais conservadora do conselho da revolução, dependendo diretamente de José Manuel da Costa Neves, o histórico responsável pela ocupação do rádio club português.
Como diretor da novel estrutura foi indicado Ernesto Ramos, que, por sua vez, para seu homem de mão no norte, escolheu um capitão do exército que havia passado pela GNR. Era António Ferreira da Silva, de créditos firmados pelo seu papel na libertação das centenas de pessoas presas arbitrariamente por ordem de Otelo.


ARMADO

Ora precisamente este capitão António Ferreira da Silva foi enviado para a Invicta, para encarar o juiz Álvaro Guimarães Dias.
Era a polícia judiciária militar a enfrentar a polícia judiciária.
O primeiro encontro dos dois homens foi marcante.
Ligeiramente mais novo do que o diretor da PJ portuense, o militar apresentou-se de forma arrogante perante o magistrado.
Álvaro Guimarães Dias nunca mais se esqueceu. Conta que o sujeito vindo da capital apareceu armado com um imponente fuzil. E, naqueles preparos, anunciou logo que iria capturar o “Corrécio”, o temível Eduardo Oliveira, a quem ninguém conseguia deitar mão.
António Ferreira da Silva não nega. Mas declara: “não me lembro nada disso”. Por vezes, chega mesmo a dizer que “é falso” porque se fosse verdade, recordar-se-ia. Mas acrescenta uma estranha explicação para quem se formou na academia militar e combateu em Moçambique e na Guiné:
- Tenho ódio a armas.


SANGUE

A verdade é que o tal corrécio foi mesmo preso e transportado para a capital, escoltado pelo militar que o capturara. O detido chegou a Lisboa num Hercules da força aérea, todo ensanguentado. Diga-se de passagem que a própria farda de António Ferreira da Silva apresentava manchas provenientes do mesmo líquido hematológico.
Assim como foram para a cadeia Mota Freitas, major que prestava serviço na PSP, e Júlio Regadas, inspetor da PJ, duas personagens a quem o terrorismo de direita muito deve.
O capitão Ferreira da Silva extraiu uma relevante confissão ao bombista Ramiro Moreira, que ficou gravada em registo áudio, mas que não foi reduzida a escrito, como pugnado pelo diretor da PJ do Porto, o que foi fatal para a produção de prova.



MINISTÉRIO PÚBLICO

Dois anos após a sua criação, a PJM passou a depender do chefe de estado-maior das forças armadas e, em 1993, atingiu o seu presente estatuto, subordinada ao Ministério da Defesa, do ponto de vista orgânico.
Numa perspetiva processual, como sucede com qualquer órgão policial, cada investigação está sujeita à direção do Ministério Público, o órgão chefiado pela procuradora-geral da república.
Ocasionalmente, propõe-se que a polícia judiciária civil passe a depender totalmente do Ministério Público, deixando de ficar sujeita ao Ministério da Justiça. Assim, toda a sua organização estaria nas mãos da procuradoria-geral da República, que determinaria quem chefiaria cada unidade da instituição, nomeando os seus diretores.
Se tal viesse a suceder, o mesmo ocorreria com a polícia judiciária militar, que já não estaria sob a alçada do ministro da defesa.