Na história de Portugal, a primeira pessoa a ser colocada em prisão domiciliária foi um antigo ministro da justiça, admirador de Mussolini. Manuel Rodrigues serviu Oliveira Salazar, mas tencionava substitui-lo na chefia do governo. Passou a tratar o ditador como “o homem que passou”. Queria significar que o político não se deveria eternizar na presidência do conselho de ministros.
Caído
em desgraça, em 1940, o governante foi demitido e sujeito à obrigação de
permanecer em casa, sem dela sair.
A circunstância de Manuel Rodrigues se ter assumido
como seguidor do regime italiano levou o historiador José Hermano Saraiva a um
curioso raciocínio.
Com a mesma idade, igual percurso académico e muitas
afinidades ideológicas, Salazar e o seu ministro da justiça assumiram posições
opostas. Sendo Manuel Rodrigues um fascista, concluir-se-ia que Salazar era
antifascista.
BENFIQUISTA
Nos dias de hoje, quase sempre, a prisão domiciliária é
acompanhada de vigilância eletrónica. Caso o arguido se ausente de casa, o
alerta é dado na central da reinserção social, que imediatamente informa o
Ministério Público.
Trata-se apenas de participar que o suspeito não está a
cumprir o seu dever de manter-se no interior da residência.
Com
Vale e Azevedo, cumulou-se tudo com vigilância policial permanente à porta da
habitação. O máximo que os agentes poderiam fazer seria perseguir o benfiquista
na eventualidade de ele decidir fugir, de modo a verificar para onde se
deslocaria.
TRAVESTI
No processo de Ricardo Salgado, o juiz de instrução criminal
solicitou às autoridades que vigiassem o banqueiro, atendendo a que nem sequer
existe pulseira eletrónica e, portanto, nunca haveria sinal caso ele fosse à
rua.
Para cumprir a decisão judicial, não é preciso
mobilizar dezenas de agentes fiscalizando constantemente se o homem está a
escavar um túnel a partir do jardim ou se vai escapar, disfarçado de mulher.
Aliás, se Ricardo Salgado decidisse ir ao exterior, os
polícias nada poderiam fazer. Não haveria lugar a detenção, pois crime nenhum
seria cometido.
Basta apenas uma ronda diária, com um breve inquérito
de proximidade. Os vizinhos e os jornalistas são os melhores fiscais.
Em 2004, eu apliquei a prisão
domiciliária a um assassino residente em Vale de Santarém, sem vigilância policial
e sem pulseira. À data, a vigilância eletrónica apenas existia nalguns pontos
do país, não abrangendo aquela área geográfica. Logo que ele se ausentou de
casa, por uns momentos, os vizinhos deram o alarme. De resto, um dos moradores
na localidade até era procurador da República.
Presentemente, o criminoso encontra-se a cumprir pena
na cadeia.