domingo

SÓ EM PORTUGAL?


Os processos judiciais são arquivados. Os arguidos não comparecem. Os mandados não são cumpridos. A polícia não tem tempo para tratar de infracções menores. Por detrás de tudo isto, há uma pessoa, a vítima, que passa despercebida.
Poderia ser a descrição do que acontece actualmente, em Portugal.
Na verdade, o texto consta da autobiografia de Tony Blair, “a journey”, que acaba de surgir nas livrarias. É um livro de quase 700 páginas, mas que se lê, com enorme gosto, de um só fôlego.
Aquela era a realidade de há dez anos atrás, vista pelo primeiro-ministro britânico, antes de fazer aprovar nova legislação para combater a pequena criminalidade.
Blair recordava-se dos tempos em que viveu na Stavordale Road, em Islington, na margem norte do Tamisa.
Certo dia, Tony foi jantar fora sozinho, dirigindo-se à estação de metro. Ainda à superfície, deparou-se com um rufia, que urinava contra uma parede. O homem perguntou ao político:
- Estás a olhar para onde?
- Você não devia fazer isso – respondeu Blair.
Foi o suficiente para o sujeito sacar de uma navalha e apontá-la ao indivíduo que, mais tarde, viria a chegar ao nº 10 de Downing Street. Tony Blair não teve outro remédio senão afastar-se.
Todavia, aquele episódio manteve-se, para sempre, na sua mente.
 

ESTÍMULO À VIOLÊNCIA

Quando se tornou líder da nação, Tony Blair quis dissuadir e punir o crime, por mais insignificante que pareça.
Como ele afirma, se as infracções menores ficam impunes, cria-se um clima de desrespeito, todo o sistema é colocado em causa e gera-se a noção de que vale tudo. É um estímulo para os transgressores se tornarem mais violentos.
Felizmente, no Reino Unido, Blair soube actuar de forma a diminuir a impunidade.
Em Portugal, a tendência é precisamente a contrária. Desde há alguns anos, vai-se desvalorizando a pequena criminalidade.
Num número crescente de casos, permite-se que a vítima retire a queixa. É o primeiro passo para que o criminoso profira ameaças ou ofereça uma contrapartida monetária.
Incentiva-se a suspensão provisória do processo. Fomenta-se a mediação, como se o combate ao crime passasse por atribuir poder negocial ao acusado.