Todos temos conhecimento como é fácil apresentar uma
queixa-crime. Basta escrever uma carta e enviá-la para o Ministério Público.
Ou, então, comparecer numa esquadra e fazer uma participação qualquer.
Normalmente, o denunciado será constituído arguido.
Forçosamente, fica sujeito automaticamente a termo de identidade e residência.
É chamado para um interrogatório e, obviamente, sofre alguns incómodos.
Está tudo correto quando, realmente, há indícios de ter
sido cometido um crime.
CONSTRANGIMENTO
Mas também é sabido que, muitas vezes, trata-se apenas
de exercer pressão, perturbar ou chantagear uma pessoa com quem se tem um
litígio.
Não há crime nenhum, mas apresenta-se a queixa apenas
para tentar constranger alguém. Ainda por cima, não custa nada. Não é
necessário pagar nenhuma taxa de justiça.
É claro que tal oferece alguns perigos a quem dá este
golpe. Ao apresentar uma queixa-crime sem fundamento, o pantomineiro arrisca-se
a ser condenado por denúncia caluniosa.
CHEQUES
Conheço imensos casos de queixas-crimes completamente
insustentáveis. Destinam-se apenas a aborrecer alguém de quem não se gosta.
Em Almeirim, um funcionário judicial tinha em seu poder
dois cheques pré-datados emitidos por um sujeito a quem ele tinha emprestado
dinheiro. Naturalmente, seria viável processá-lo através de um processo
executivo, com eventual penhora de bens.
Mas o homem lá entendeu que haveria um caminho mais
curto. Formulou uma queixa-crime. Evidentemente, o processo foi arquivado. A emissão
de cheque com data posterior, para garantia de pagamento, não é ilícito penal.
NÉON
Em Almada, uma advogada habitava num prédio onde vários
moradores se sentiam importunados com o anúncio luminoso de um café situado no
rés-do-chão. As luzes de néon eram intensas, iam apagando e acendendo em
diversas cores e ainda, por cima, a instalação elétrica emitia um zumbido
irritante. Em nome dos vários condóminos, dirigiu uma participação criminal ao
procurador da República.
Evidentemente, o caso não foi levado a julgamento, pois
não se estava perante o cometimento de um delito.
OBRA CLANDESTINA
Uma juíza resolveu acrescentar um piso clandestino à
sua casa, que passou a ter dois andares, sem qualquer autorização municipal. Um vizinho não gostou da ideia e, por escrito, comunicou o que se passava,
à câmara municipal. Pois sentindo-se ofendida, a magistrada deduziu acusação
particular contra o indivíduo, imputando-lhe o crime de difamação.
Como não podia deixar de ser, o arguido foi totalmente
ilibado.
PONTE
Há uns anos, o presidente da câmara de Setúbal mandou
reparar uma ponte de madeira junto a um parque de merendas. Sucede que um construtor
civil resolveu queixar-se. Afirmava que o edil tinha cometido o crime de
usurpação de imóvel, visto que mandara os operários da autarquia atravessar um
terreno de sua propriedade.
É claro que a queixa foi declarada improcedente.
A MORADIA
Uma senhora encarregou um empreiteiro de lhe construir
uma moradia. No final da obra, não ficou satisfeita e reclamou. Alegava que os
trabalhos não tinham sido efetuados conforme combinado e segundo o que ela
tinha pago. Apresentou queixa, por burla qualificada.
Como é óbvio, o construtor foi ilibado. Tratava-se de
uma lide de natureza civil. O que se poderia determinar era se ele tinha ou não
cumprido devidamente o contrato.
MUITO BÁSICO
São esquemas primários, muito básicos, de fácil
execução. Têm a capacidade de arreliar quem é constituído arguido.
Contudo, o truque pode dar maus resultados para quem o
aplica. O tiro sai pela culatra e o feitiço vira-se contra o feiticeiro.
O vigarista que apresenta a queixa-crime ainda se vê a
braços com um processo de denúncia caluniosa.