quinta-feira

O CONDE E A QUINTA


Não se tem falado de outra coisa senão do Conde e da Quinta.
Deixem-me então referir-me a uma coisa diferente: a Quinta do Conde.
É uma localidade situada na Margem Sul, pertinho do Barreiro. Tem-se desenvolvido muito. Conta com actividades florescentes e gente empreendedora. Dispõe de supermercados de qualidade, bons infantários, um excelente mercado e uma série de infraestruturas próprias de uma terra em progresso.
Mas também apresenta peculiaridades únicas. Ninguém nasceu na Quinta do Conde. Há trinta anos atrás, era praticamente desabitada. Agora, os moradores são mais de vinte mil. Só que, entretanto, os mais jovens têm vindo ao mundo em maternidades fora da zona. Não existe, portanto, ninguém da terra. Não há pessoas com raízes na Quinta do Conde.


TERRENO AGRÍCOLA

A designação legal da localidade é curiosa: AUGI. Significa Área Urbana de Génese Ilegal. Grande parte das casas foram construídas clandestinamente e posteriormente legalizadas. Ainda hoje há ruas por asfaltar. Muitas das casas não têm esgotos. Vai tudo para uma fossa no quintal. Os números das portas atingem os milhares. Não é raro encontrar um endereço do género “Avenida Principal, lote 2748, 1º andar esquerdo”. Imagine-se a facilidade em localizar as casas…
A expressão “terreno em avos” nasceu na Quinta do Conde. Os compradores adquiriam um pequenito lote. Mas, no momento de assinar a escritura, estavam na realidade a comprar um grande terreno agrícola em conjunto com uma série de outras pessoas. Ficava tudo em compropriedade. Por exemplo, quarenta indivíduos compravam um hectare. Depois, cada um deles ficava com um quarenta avos do terreno. Colocavam cercas, dividindo-o em áreas de duzentos e cinquenta metros quadrados.
Soube de um caso complicado, mas comum por aquelas bandas. Uma senhora construiu uma moradia no seu lote. Mas, por verdadeiro lapso, a casa acabou por ocupar parte do terreno de um vizinho emigrado na Alemanha. É o típico caso de acessão de boa fé. O lesado apenas tem o direito a pedir uma indemnização. Leva-se em consideração o pedaço de terreno invadido e os preços do mercado.



TRÊS CONCELHOS

Há uma curiosidade. A Quinta do Conde é abrangida por três concelhos: Sesimbra, Barreiro e Seixal. Caso haja um devedor cujo endereço se situe na Quinta do Conde, sucede inevitavelmente algo. É pedida a penhora ao tribunal de Sesimbra. Mas, por vezes, conclui-se que a casa dele fica na área do Barreiro ou do Seixal. Lá vai o processo para o tribunal competente.
Um dos advogados mais conhecidos da Quinta do Conde chama-se Guerra Maneta. Nunca esteve na guerra e, felizmente, tem as duas mãos.
Certa vez, apresentei-o ao malogrado Luís Nunes de Almeida, Juiz Presidente do Tribunal Constitucional. Almoçámos uns belos filetes de peixe-galo num restaurante da Rua de O Século, junto ao Palácio Ratton.
Nunes de Almeida era um dos maiores especialistas em matéria de Direito Eleitoral. Inevitavelmente, acabámos por falar nas eleições autárquicas de 2001, na freguesia da Quinta do Conde. Dois partidos empataram. O número de votos foi exactamente igual. Tinha de ser: as eleições foram repetidas.
Não há nada que não aconteça na Quinta do Conde. O mesmo se diga do Conde na Quinta.