A vida oferece algumas ironias.
Um homem planeia tudo para visitar uma
prisão. No momento aprazado, o projeto não se concretiza devido a um
imponderável.
Volvidas três décadas, acaba mesmo por ser
prisioneiro e, já na cadeia, escreve um livro a contar como sucedeu a malograda
iniciativa anterior.
Carlos Cruz conta o episódio na sua
autobiografia, que agora chegou às livrarias.
BENESSE
Os Estados Unidos da América facultavam a
profissionais da comunicação social de todo o mundo a oportunidade de conhecer
o país, numa estadia de quarenta e cinco dias.
E foi assim que, em 1970, o Senhor
Televisão se deslocou ao país onde mais tarde viria a
residir, quando esteve ao serviço de Portugal nas Nações Unidas.
A viagem tinha tudo incluído, abrangendo as
passagens aéreas, a estadia e ainda ajudas de custo. Não havia nenhum compromisso
de elogiar a super-potência. Mas era uma forma de divulgar a realidade
norte-americana a quem, nos diversos pontos do globo, influenciava a opinião
pública.
O itinerário ficava sempre à escolha do
convidado.
De modo que Carlos Cruz incluiu a cidade de
São Francisco, onde tencionava visitar Alcatraz, influenciado pelo filme
protagonizado por Burt Lancaster.
Ora no momento previsto para tal, um grupo de
índios ocupou a ilha onde se localizava o presídio convertido em museu.
Manifestavam-se, em sinal de reivindicação e protesto. Tornaram impossível a
ideia do apresentador português.
SE NÃO FOSSE ASSIM
Desconheço se o criador de Zip-Zip
publicaria a obra, com este e muitos outros relatos interessantíssimos, na
eventualidade de não sofrer as agruras do cárcere.
No mínimo, haveria sempre alguém que
redigiria a sua biografia. Mas nunca seria um trabalho igual a este. Permite-nos
conhecer a fundo uma vida recheada de experiências únicas, no campo laboral e
pessoal.
Durante muito tempo, eu insisti que aquela
história do concorrente da Vidigueira, entusiasmado com a perspetiva de ganhar
um automóvel, seria apenas uma lenda urbana.
Não porque surja na Internet como hoax: narração bem pormenorizada e dada
como genuína, embora sem correspondência com a realidade.
Mas precisamente porque ia escutando
diversas versões, sempre díspares. Por outro lado, nunca conseguia fazer uma
pesquisa no ciberespaço, da qual resultasse uma descrição credível.
Alguns dos textos publicados referiam que
tudo ocorrera num passatempo da rádio local da vila alentejana. Mas a maior
parte reportava-se a um programa televisivo.
ALÔ VIDIGUEIRA
A essência do caso centrava-se no seguinte.
Um vidigueirense participa num concurso,
estando em jogo uma viatura novinha em folha. O locutor, tendo em mente os
canibais, pergunta como se chamam os homens que comem outros homens.
O transtagano inflama-se com a simplicidade
da questão e, em direto, comunica para os conterrâneos:
- Alô, Vidiguêra!
O carro está no papo.
Depois, declara a resposta:
- São os maricas, pois está claro.
Achando alguma graça à anedota, eu sempre a
considerei apócrifa.
Acabo de confirmar que, efetivamente,
é uma piada fictícia. Surgiu no tempo em que a RTP emitia o 1,2,3.
Carlos Cruz considera o caso como “um fenómeno normal na nossa Lusitânia”.
Reprodu-lo assim no livro “Uma vida”:
- Alô Vidiguêra: o carro já cá canta. Ó
Senhor Carlos Cruz, atão os homens que comem outros homens, ‘tá-se mesmo a ver
que são pane…