As notícias sobre a professora que matou o
namorado e acabou libertada são contraditórias entre si. Fica-se sem saber qual
das versões é verdadeira.
Na realidade, quase todas as reportagens
contêm inexatidões.
A falsidade mais notória é a de dizer que a
invocação de violação de direitos humanos ocorreu “nas imediações de esgotado o prazo máximo da prisão preventiva, em
meados de 2019, pelo que Fernanda Baltazar se encontra em liberdade”.
Vejamos o que realmente aconteceu.
JULGAMENTO APRESSADO
Em março de 2018, a docente encontrava-se
presa na cadeia de Tires e tinha sido condenada a 17 anos de prisão, por
homicídio e incêndio. Eu não a conhecia. Porém, ela tomou a iniciativa de me
ligar da cabine telefónica. Muito chorosa, comunicou-me que pretendia mudar de
Advogado e gostaria que eu a defendesse.
Visitei-a, li a sentença e ouvi a gravação
do julgamento.
Logo, retirei duas conclusões.
A arguida não tinha exercido todos os
direitos de defesa que a lei colocava ao seu dispor.
O julgamento fora extremamente rápido,
resumindo-se a menos de vinte horas horas no total.
Eu inclinava-me para não aceitar
defendê-la. O prazo para interpor recurso já se tinha iniciado e terminaria
menos de um mês a contar dali. Eu iria partir para a Rússia três dias depois.
O desespero e a insistência da professora
fizeram com que eu concordasse em representá-la. Efetuei boa parte do meu
estudo e trabalho enquanto me encontrava em Moscovo.
Estabeleci dois objetivos, que a minha nova
cliente aceitou:
-
Libertação da arguida
- Um
processo justo e equitativo, como deve sempre acontecer, por força dos deveres
que o Estado português assumiu a partir de 1978, ao aderir à convenção europeia
dos direitos humanos.
Após o meu recurso, o Tribunal da Relação
de Lisboa confirmou a condenação proferida em primeira instância, mas de modo
ineficaz.
Quando consultei o respetivo acórdão,
imediatamente verifiquei que este era nulo, ou seja, não produziria efeitos.
Como não podia deixar de ser, o Supremo Tribunal
de Justiça deu-me razão e declarou a invalidade daquela decisão.
Consequentemente, a minha cliente foi
libertada e retomou a sua vida normal, como professora.
Fez-se justiça. Respeitaram-se os direitos
humanos.
RENÚNCIA
Em outubro de 2019, eu decidi deixar de ser
Advogado da professora.
Ela recorreu aos serviços de outro
causídico e os novos acórdãos foram proferidos quando a arguida já não era
minha cliente há muito tempo: em 22 de setembro de 2020 e 24 de março de 2021.
Em abril de 2021, foi ordenada novamente a
sua prisão, algo que poderia perfeitamente ter sido evitado.
Há dias, a PSP recebeu um telefonema dizendo que a professora tem sido avistada em Cabo Verde, onde mora desde 21 de fevereiro de 2021. Residiu inicialmente no nobre Bairro do Palmarejo, na Praia, com um namorado são-tomense. Atualmente encontrar-se-ia na Achada Santo António, alojada por caridade e sobrevivendo a lavar loiça num restaurante.