quinta-feira

INCRÍVEL, MAS VERDADEIRO



Há uns bons tempos atrás, referi-me às desculpas mais disparatadas e inacreditáveis que alguns arguidos apresentam durante o julgamento.
Mas também acontece-me aprender coisas incríveis, mas verdadeiras.
Vou começar pelo caso do analfabeto com carta de condução.
Sempre imaginei que para ter carta, era necessário estar habilitado com a quarta classe.
Falso.
Uma vez julguei um indivíduo que nunca tinha ido à escola. Emigrou para os Estados Unidos da América. Aí viveu durante vinte anos e obteve a carta de condução.
Regressado definitivamente a Portugal, trocou a licença por uma carta portuguesa. Legalmente, conduz automóveis sem saber uma letra.



CHEQUE

Eu julgava que qualquer comerciante, mesmo pouco instruído, sabia como se deve preencher um cheque. Para além da assinatura, tem de se escrever a quantia em algarismos e por extenso.
Mas afinal nem todos os comerciantes agem assim.
O dono de um minimercado de bairro comprou uma caixa registadora pouco sofisticada. Permitia preencher automaticamente o cheque, bastando que o cliente o assinasse. Mas no campo destinado a redigir o montante por extenso, a máquina limitava-se a colocar uns algarismos.
Ora este cheque não vale um caracol.
Como não tem inscrita uma soma por extenso, não respeita a Lei Uniforme dos Cheques. Caso não tenha cobertura, o comerciante fica sem chances. O indivíduo que assinou o cheque não cometeu nenhum crime.
Nesta situação, se o lesado apresentar uma queixa crime por cheque sem provisão e pedir uma indemnização, pode meter-se em maus lençóis.
Em primeiro lugar, o comerciante pode passar até um máximo de três anos na prisão, por denúncia caluniosa. O juiz tem a faculdade de ordenar que a sentença seja publicada num jornal nacional, em anúncio pago a expensas do prisioneiro.
Depois, arrisca-se a ser condenado numa pesada multa, por litigância de má fé.
Ainda pode ter de pagar uma indemnização ao indivíduo acusado de passar um cheque sem provisão.
Se um estudante universitário se apresentasse perante mim numa prova oral e dissesse que um cheque sem preenchimento por extenso poderia servir de base a um crime, eu não teria outro remédio. Tinha de reprovar o aluno. Mandava-o voltar na segunda época de exames. Ele ficava com tempo para estudar a Lei Uniforme e o regime jurídico do cheque sem provisão.



LADRÃO 

Pensava eu que, hoje em dia, os automóveis encontravam-se todos bem protegidos contra roubo. Ele há os comandos, os alarmes, as trancas de direcção, os painéis amovíveis dos auto-rádios, os bloqueadores da ignição que impedem o funcionamento caso não seja detectado o chip pela centralina…
Mesmo para retirar qualquer coisa do interior, geralmente o ladrão só tem duas hipóteses. Ou parte um vidro, o que não é aconselhável devido ao ruído causado. Ou estronca a fechadura.
Todavia, há um modelo de veículo utilitário muito vulnerável.
O larápio agarra numa daquelas cintas em plástico, que servem para envolver os caixotes e que são unidas por uma peça metálica.
Corta um pedaço dessa fita de nylon. Dobra-o ao meio e fá-lo penetrar através de uma porta dianteira. Quando a fita atinge o picolete de tranca da fechadura, os dois pedaços da fita distanciam-se. Resta ao ladrão puxar a cinta lentamente. O picolete sobe. A porta está destrancada.
Disse-me um arguido:- O Sr. Dr. Juiz ponha-me aqui dez carros desses à minha frente. Eu abro-os num instantinho. Agora arrombar uma fechadura é que eu nunca faria.


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