quarta-feira

MUITO BONITO




No que concerne à minha carreira na magistratura, guardo particulares memórias de dois grandes mestres.
A Drª Graça Mira foi minha formadora na fase de estágio. Transmitiu-me muitos ensinamentos. Destaco dois.
O sentido de justiça deve estar sempre presente, mesmo nas questões de pequena criminalidade. Estamos constantemente a decidir sobre a vida das pessoas.
Uma segunda vertente relaciona-se com a produtividade. Deve encontrar-se em lugar de destaque. Quem me dera ter dez por cento da capacidade de trabalho dela… Mas vou procurando que não haja delongas injustificadas. Em Almeirim, tomei posse e tinha mais de setecentos processos no meu gabinete. Quando fechei a porta pela última vez, não deixei lá um único processo em atraso. No Tribunal de Ponte de Sor, aguardavam-me para cima de seiscentos processos. Também ficaram todos despachados. Nunca deixei nenhum atraso, fosse em que comarca fosse. A decisão tardia dificilmente consegue ser justa.
O juiz desembargador Aguiar Pereira foi incansável para comigo. Ele não me conhecia de parte alguma e aquilo que nos unia era a proximidade geográfica. Tem conhecimentos profundos e enorme habilidade para aconselhar. Recorri a ele numerosas vezes. Sempre me esclareceu os pontos mais duvidosos de modo brilhante. Nesses casos, a minha decisão era tomada de modo solitário. Mas estava alicerçada em conversas muito elucidativas.
Um polícia tinha terminado um relacionamento amoroso. Andava algo desorientado. Enquanto conduzia a sua viatura, despistou-se. O automóvel foi para a sucata. Era novinho e ele estava a pagá-lo em trinta e seis prestações. Durante três anos, transferia a mensalidade de um veículo que já não existia. Pesado castigo para uma imprevidência da qual, felizmente, não resultaram feridos.
Ele poderia tentar esquecer aquela terrível sucessão de acontecimentos. O termo do namoro, o acidente, a perda total do automóvel e os pagamentos do veículo de que não usufruía.
Contudo, quase todos os dias, tem a coragem de recordar essa infelicidade. É um homem com H grande. Fá-lo por uma boa causa. Sempre que lhe surge um caso de acidente de viação, relata este seu episódio. Os intervenientes ficam a saber como pode sair cara a falta de precaução. Parabéns a este bravo agente policial que exerce saudável pedagogia, contando um caso concreto: o seu.