quinta-feira

UM PROCESSO JUDICIAL




Ter um processo em tribunal. Altera a vida de uma pessoa.
Um dos factores de stress é contar com um processo judicial em tribunal. Está a par da morte de um familiar, de uma mudança de casa, de um novo emprego ou de problemas económicos.
José Pinto da Costa, o conhecido médico legista portuense, descreve os efeitos que se fazem sentir num clínico desde que este toma conhecimento de que existe em tribunal um processo contra ele devido à sua actuação profissional. Normalmente, são casos relacionados com alegada negligência médica.
Qualquer pessoa envolvida neste tipo de litigância acaba por sofrer modificações psicológicas. Estas variam de acordo com a sua própria personalidade, definida em momento prévio ao da existência do processo judicial. As reacções mais notórias registam-se a nível de temperamento, emoções, sinais físicos e alterações no comportamento. Por vezes, impõe-se o tratamento psiquiátrico.
Algumas das manifestações mais registadas por médicos processados abrangem o humor depressivo, a tensão interior, a irritabilidade, a insónia ou a fadiga, sintomas gastrintestinais e cefaleia.
É frequente deixarem de praticar actos médicos de risco e desaconselharem os filhos a seguirem medicina. Com maior regularidade, pedem meios de diagnóstico complementar, como sejam análises que anteriormente dispensariam. O tempo de trabalho tende a diminuir assim como o número de doentes observados.
Uma eventual morosidade da justiça é, aqui, muito sentida. Sobretudo nos casos em que o médico está inocente, o prolongamento no tempo da acção judicial contribui para o seu isolamento profissional, agravamento dos efeitos psicológicos e possível instabilidade familiar. Pode gerar-se descrédito acentuado pelo facto de haver alterações no modo como o clínico exerce a sua actividade.
A negligência médica deve ser combatida e os tribunais devem estar ao dispor dos cidadãos que se julgam lesados.
Mas a criação de um clima de desconfiança tem levado à adopção da medicina defensiva, em que o médico se salvaguarda constantemente.
Uma ousadia temerária é sempre de afastar.
O prestigiado professor já referido alude a um caso ocorrido há alguns anos e que se encontra documentado no Museu de Medicina Legal do Porto.
Um médico estava de visita a uma enfermaria e despreocupadamente apalpa o volumoso abdómen de uma paciente.
Logo ali, faz o diagnóstico e determina a terapêutica:
“É um fibroma. Opero-a amanhã”.
No dia seguinte, o anestesista iniciou a indução com pentotal sódico e logo a doente morreu. Afinal tinha um útero normal. Apresentava dois rins policísticos patológicos. Se tivessem sido realizadas análises prévias, tinha-se evitado aquela morte.
Casos como este serão raríssimos hoje em dia.
Um factor que nunca servirá de atenuante é a falta de disponibilidade de tempo. Nem que essa resulte de excesso de trabalho.
Um médico foi punido por não ter prestado assistência a uma doente que veio a morrer. Ele disse não estar muito preocupado porque não tinha sido colocada em causa a sua competência. Pelo contrário, até se tinha concluído que se ele tivesse intervindo, a morte teria sido evitada. Para além de revelar insensibilidade, este argumento é erróneo, pois é sempre preferível alguma intervenção médica, ainda que menos eficaz, do que a omissão de assistência.
O rápido apuramento de uma eventual responsabilidade funciona a favor de todos. Para os que estão de consciência tranquila, permite-lhes retomar normalmente a actividade clínica. Para aqueles que se julgam vítimas de negligência, faz-se justiça com a celeridade que desejam.