quinta-feira

CONFESSAR E FICAR EM PAZ




Ele é um homem genial.
Reside no nosso país há alguns anos e revolucionou uma empresa que ia acumulando sucessivos prejuízos, custando milhões ao erário público e aos bolsos dos contribuintes.
O encerramento da organização iria despoletar sérios problemas de desemprego e constituiria um grave revés para uma importante actividade económica.
O êxito dele foi muito significativo. Agora até há dinheiro suficiente para comprar uma empresa congénere estrangeira.
Apesar de não ser português, a sua língua materna é também a de Camões.
Ele é brasileiro e chama-se Fernando Pinto.
Accountable manager, administrador delegado ou chief executive officer: chamam-lhe vários nomes. Na verdade, é o salvador da companhia que recuperou o seu nome tradicional: TAP Portugal.
Tem muito a ensinar a todos nós.
Contudo, aparentemente, pouco poderiam os juízes aprender com ele.
Mas não é bem assim.
Há uma importante política na transportadora aérea nacional. Situa-se na área da segurança.
Há mais de quatro décadas que a empresa tem montado um sistema de vigilância constante sobre os pilotos, enquanto estes desempenham a sua missão de grande responsabilidade.
Poderia parecer algo do tipo “big brother”, mas assenta num sistema de colaboração mútua.
As caixas negras não são abertas apenas em caso de acidente.
Abrem-se sempre.
Tudo o que se passa num voo é registado em cassete ou, nos sistemas mais modernos, em discos ópticos. Submetidos a tratamento informático, estes elementos fornecem informações completas sobre o que sucedeu em cada segundo da viagem. Desde accionar um interruptor até à mais pequena movimentação da aeronave, passando pelas conversas tidas no cockpit.
Num pequeno número de casos, esses dados não ficam disponíveis. Tal pode acontecer por falhas do sistema ou por erro humano, como seja a circunstância de haver esquecimento em substituir uma cassete.
Mas, de um modo geral, cada voo é monitorizado ao pormenor.
Os pilotos portugueses são conhecidos pela sua competência e defesa da segurança. Aderem, pois, a este sistema. Têm a noção do valor que tal assume para salvaguardar o objectivo que eles próprios assumem: manter o transporte aéreo como o menos perigoso de todos.
Fernando Pinto defende um valor básico.
A confissão não resulta em punição.
O funcionário da TAP que relate um erro que cometeu não é alvo de qualquer processo disciplinar.
É neste ponto que eu penso que há importantes ensinamentos para a justiça.
Importa valorar positivamente a confissão.
Durante um voo, determinada pessoa poderá ter agido de modo errado. Provavelmente, a falha foi corrigida ou, pelo menos, disfarçada.
Mas esse funcionário só tem a ganhar se for a correr contar o que sucedeu.
Há, pelo menos, duas boas razões para o fazer.
Ele suscita uma questão que pode servir de exemplo para outros ou para solucionar algum problema existente.
Por outro lado, assegura que não sofrerá nenhuma sanção disciplinar.
É que se a companhia vier a tomar conhecimento daquele engano, poderá processar o empregado. Mas se ele tiver antecipadamente admitido a falha, tal já não acontecerá.
O comandante de uma aeronave tem sempre acesso a toda a informação que consta da caixa negra.
O papel deste profissional exige profundos conhecimentos técnicos, uma habilidade invejável e também qualidades pessoais únicas.
Concluído um voo, ele poderá, se o desejar, consultar as gravações e os registos efectuados.
Se o entender, fornecerá as explicações que julgar pertinentes: é o feedback dele.
O comandante assim como qualquer outro membro da tripulação tem a possibilidade de salientar aspectos que poderiam ter decorrido melhor.
É fundamental o facto de haver a certeza de que nada disso pode resultar em procedimento disciplinar. As pessoas não se retraem e falam livremente.
Destaquei, pela positiva, um homem excepcional ao serviço da TAP.
Proximamente, falarei de um aldrabão que trabalhava nessa empresa. Ou talvez eu prefira dizer que recebia o salário nessa empresa.