quarta-feira

AO COMETER UM CRIME, USE CARRO ALHEIO




Muitos dos automóveis apreendidos pelos vários tribunais portugueses encontram-se armazenados em Vila Franca de Xira.
De um modo geral, são veículos sem grande aptidão para serem utilizados por serviços públicos.
Tratando-se de viaturas de luxo ou simplesmente confortáveis, a Direcção de Gestão dos Veículos do Estado afecta-as a uma repartição.
Se o carro vier a ser declarado perdido a favor do Estado, passa a integrar definitivamente o respectivo património.
No caso contrário, é devolvido ao legítimo proprietário.
Se houver devolução, acertam-se contas. Tomam-se em consideração o número de quilómetros percorridos, o tempo que passou, as reparações efectuadas pelo erário público assim como o estado do automóvel. Ainda se tem de levar em linha de conta um factor importante: os prejuízos que o dono do automóvel teve por ter ficado privado do seu uso.
De um modo geral, tal significa que o proprietário da viatura recebe a viatura. Mas, para auferir uma indemnização, terá de intentar um processo judicial contra o Estado.
Quase sempre cada uma das partes manifesta a sua posição de modo muito aguerrido. No final, o juiz toma a sua decisão e profere a sentença.
O particular alega que o carro se encontrava em excelente estado quando foi apreendido. Tinha as revisões todas realizadas em concessionário da marca e o seu valor comercial era considerável.
Ao ser-lhe devolvida, a viatura apresentava mais uns milhares de quilómetros em cima. As revisões foram efectuadas em oficinas do Estado e um próximo comprador duvidará do carro. O estado geral do automóvel era lastimável e era notório que quem o utilizou fazia-o de modo descuidado, como é próprio de todos quantos usufruem de veículo que não é seu.
Depois, o facto de o lesado ter permanecido sem o veículo acarretou perdas importantes.
No fim, pede a condenação do Estado a pagar-lhe uma valente indemnização.
Uma senhora de Tomar moveu uma acção deste tipo em tribunal.
Ela era dona de uma sapataria naquela cidade.
Pelos vistos, tinha um carro em seu nome.
Tudo o que se relacionava com este automóvel era intrigante.
Ele fora comprado novo pelo pai desta senhora.
Depois, o concessionário da marca dizia que, uns tempos mais tarde, o stand adquiriu de volta o carro.
Logo depois, o concessionário vendeu o automóvel à filha do dono inicial.
Para evitar duas inscrições de registo de propriedade, a transferência foi realizada directamente do pai para a filha.
Logo aí, as coisas pareciam um pouco estranhas.
Se a senhora pretendia comprar a viatura, o melhor era adquiri-la directamente ao pai.
Aliás, uns tempos antes de o carro ter sido transferido para o nome da senhora, o seu pai tinha cometido um crime de sequestro.
No momento da prática do delito, havia utilizado o automóvel.
Dado que o criminoso tinha usado o carro com essa finalidade, o mesmo foi apreendido e ficou à ordem do juiz.
Aproveitando-se do facto de ter o veículo registado a seu favor, a filha pretendia obter o levantamento da apreensão.
Aí, realmente, passou-se algo de menos compreensível.
Como o veículo estava em nome da filha do criminoso, a senhora requereu a entrega do mesmo, logo no início do processo.
O juiz decidiu que era demasiado prematuro, pois só após o julgamento seria possível apreciar a questão.
Ora depois de proferida a sentença, a senhora apresentou novo requerimento.
Dessa vez, a resposta do juiz foi a de que já era tarde demais. A viatura fora declarada perdida a favor do Estado e a sentença transitara em julgado.
Seria praticamente caso para dizer que se é preso por ter cão e preso por não o ter.
Ou como se diz no Brasil: se fugir, o bicho pega, se ficar, o bicho come.
Até se entenderia caso se afirmasse que a tal venda do pai à filha não passava de uma farsa e que era um negócio simulado.
Agora já é mais difícil perceber que se aceita que a viatura realmente pertencia à senhora, impedi-la de levantar o automóvel antes da sentença e vedar-lhe a restituição após a mesma.
De modo que ela recorreu da decisão judicial e ganhou a causa. O automóvel foi-lhe entregue.