Um advogado escreveu uma carta ao Governo Português, reclamando alguns direitos para o seu cliente, Rosário Poidimani. Este cidadão italiano diz ser ele o legítimo herdeiro da Casa Real Portuguesa.
A resposta oficial veio do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Em missiva enviada ao causídico, o Governo da República esclareceu que D. Duarte Pio é que é o verdadeiro sucessor. Daí que, em certas ocasiões, ele represente o Povo Português em eventos de natureza cultural, humanitária ou religiosa no estrangeiro. Nessas circunstâncias, até lhe é concedido passaporte diplomático.
Perante a maioria dos monárquicos, tal ocasionou júbilo.
A tomada de posição é interpretada numa dupla perspectiva.
Por um lado, o Estado interfere no debate sobre quem é o legítimo herdeiro da Casa Real.
Depois, tal poderá ser considerado como um reconhecimento e legitimação do papel do herdeiro em questões nacionais, que não revistam natureza política.
Esta carta oficial terá certamente desagradado a uma minoria: os defensores do duque Pedro Folque de Mendonça. Este também se arroga de sucessor no trono.
Em minha opinião, há que fazer uma distinção. A matéria tem alguma relevância jurídica. Não tem qualquer importância política.
SALAZAR ERA MONÁRQUICO?
Não se trata de questão nova. Oliveira Salazar lidou com a mesma, de forma muito hábil.
Para mim, é claríssimo que Salazar não era monárquico. No entanto, sempre tratou muito bem os herdeiros da família real.
Na correspondência que trocava com a Rainha D. Amélia, o ditador dirigia-se a ela como “Majestade”.
Em 1932, o último Rei de Portugal, D. Manuel II, morreu, no exílio. O seu advogado em Portugal era o Dr. Fernando Carvalho, que cumpriu rigorosamente o testamento. Tal levou à criação da Fundação da Casa de Bragança.
Não obstante, o Presidente do Conselho empenhou-se para que o Duque de Bragança dispusesse de residência condigna e intercedeu junto das Rainhas D. Amélia e D. Augusta Vitória para que contemplassem D. Duarte Nuno nos seus testamentos.
Tal foi relembrado por Marcello Caetano, que sucedeu a Salazar no cargo de Primeiro-Ministro.
Já após o 25 de Abril de 1974, exilado no Brasil, Marcello Caetano referir-se-ia de novo ao assunto.
Demonstrou alguma acidez. Aludindo aos filhos de D. Duarte Nuno de Bragança, falecido em 1976, disse: “quando agora um destes vomita sandices acerca de Salazar (acusando-o, até, de ter confiscado os bens da Casa de Bragança) só revela ingratidão ou debilidade mental”.
FRANCO
A verdade é que Salazar, tratando bem os herdeiros da Casa Real, afastava a possibilidade de, alguma vez, vir a ser restaurado o regime monárquico.
Em 10 de Julho 1957, em Ciudad Rodrigo, o ditador encontrou-se com o seu homólogo espanhol, Francisco Franco. A finalidade era a de abordar a evolução política dos dois países da Península Ibérica.
O Generalíssimo Franco já havia definido que, após cessarem as suas funções, seria instaurada a monarquia.
A revista Paris Match anunciou que, nesse encontro, em Espanha, Salazar tinha advogado idêntica solução para o país que governava. A agência noticiosa United Press interessou-se igualmente pelo assunto.
Todavia, tais rumores foram prontamente desmentidos.
A firmeza de Oliveira Salazar não o impedia de manter com a Rainha D. Amélia uma relação que ultrapassava em muito a mera cordialidade. A sua única preocupação era a de não melindrar os sucessivos Chefes de Estado portugueses, a quem competia, em exclusivo, a representação do Estado.
A RAINHA EM PORTUGAL
Em 1908, D. Amélia encontrava-se ao lado do monarca, quando se deu o regicídio. Seu marido foi atingido pelas balas assassinas, que tiraram também a vida ao príncipe, filho de ambos. O casaco de D. Amélia ficou manchado de sangue. Ela fez questão de, quando a sua hora chegasse, vir a ser sepultada envergando o mesmo.
Anos mais tarde, após uma ausência de 35 anos, D. Amélia regressou de visita a Portugal. Ficou instalada no Hotel Aviz.
O decano dos diplomatas portugueses, Embaixador Teixeira de Sampayo, pediu para ser recebido pela Rainha.
Ele havia começado a servir Portugal, quando o país ainda era um reino. O embaixador era convicto monárquico e profundamente admirador da família real.
O encontro com a Rainha constituía, para ele, um momento da maior importância na sua vida.
Veio a traduzir-se num episódio dramático, com o seu quê de tragicomédia. O diplomata, já aposentado, foi acometido de um enfarte, enquanto beijava a mão de D. Amélia. Caiu prostrado no chão e morreu.
O encontro foi, realmente, curto.
Emocionado, Teixeira de Sampayo deixou-se dominar pelo frémito e disse à Rainha:
- Minha Senhora, sinto-me mal!
Já caído sobre o tapete, as últimas palavras do diplomata foram:
- Peço desculpa a Vossa Majestade por este incómodo.
D. Amélia não escondeu a sua surpresa:
- Sempre morte à minha volta!
