domingo

QUANDO OS XUTOS FORAM A SETÚBAL



No Natal de 1992, a famosa banda Xutos e Pontapés actuou em Setúbal.
Os músicos não receberam um tostão pelo concerto.
Mas também os espectadores ficaram dispensados de adquirir bilhete. Eram os presos da cadeia local, junto ao hipermercado.
As televisões, as rádios e os jornais cobriram o acontecimento. Vários reclusos abordavam constantemente os jornalistas, procurando sensibilizá-los para o seu caso judicial e as condições de encarceramento.
Estimo que todos ou quase todos esses presos já tenham sido libertados.
Todavia, também facilmente imagino que muitos deles se encontrem actualmente num estabelecimento prisional.
Grande parte dos reclusos regressa à cadeia, sendo a taxa de reincidência muito elevada.
Sempre que isso acontece, tal significa que falhou a reinserção social ou a ressocialização. O criminoso não se afastou da marginalidade.
Esta é a lógica que está sempre presente quando um juiz condena alguém a cumprir uma pena de prisão: a reintegração do delinquente na sociedade, a sua reabilitação ou regeneração.
Acredita-se que os criminosos são capazes de abandonar delinquência, após o cumprimento da pena.
Portanto, no nosso sistema, não fazem sentido aquelas expressões que ouvimos no cinema norte-americano: “350 anos de prisão”, “três penas perpétuas”, “pena perpétua sem possibilidade de liberdade condicional” ou a drástica “sentença de morte”.
No nosso espírito, a ideia não é “manter os criminosos longe das ruas”. É, sim, o de sancionar o preso com uma pena relevante, que constitua um marco na sua vida, propiciador de uma mudança no seu modo de actuação.
É curioso verificar como estas concepções de há muito dominam o sistema prisional português.
Agora que o “Jornal de Sintra” completa 75 anos de existência, dei uma vista de olhos pelo seu número inaugural, fundado por António Medina Júnior.
Uma longa reportagem versava precisamente sobre uma festa de Natal, ocorrida essa na cadeia de Sintra, então denominada “Colónia Penal Agrícola Dr. António Macieira”.
Nesses idos de 1934, alguns dos artistas amadores foram reclusos ou “colonos”, como então eram designados.
O jornalista depositava fortes esperanças de que aquela prisão permitiria “abrir-lhes novos horizontes na estrada ampla da liberdade e da honradez, para, em vez de colonos, restituir à sociedade uns homens úteis e proveitosos, uns homens dignos de si e das suas famílias”.