Aqui há uns anos, o jornal inglês The Guardian publicou uma interessante reportagem. Começava assim: “Eles mandam milhares de pessoas para a cadeia anualmente. Mas o que é sabem sobre prisões? A nossa repórter foi conversar com juízes”.
Um dos entrevistados disse, humildemente e com humor:
- Confesso-me culpado. Nunca visitei uma penitenciária e já o deveria ter feito.
Seria curioso saber o resultado de um trabalho idêntico, realizado em Portugal. Eu conheço vários colegas meus que nunca puseram os pés num estabelecimento prisional.
- Confesso-me culpado. Nunca visitei uma penitenciária e já o deveria ter feito.
Seria curioso saber o resultado de um trabalho idêntico, realizado em Portugal. Eu conheço vários colegas meus que nunca puseram os pés num estabelecimento prisional.
O Juiz João Barroso de Moura, falecido prematuramente aos 58 anos de idade, conheceu particularmente bem algumas cadeias, por onde nunca deveria ter passado.
Tendo iniciado a sua carreira no Alentejo, pouco depois foi exercer para Angola.
Em 1975, seis meses antes da independência, foi feito prisioneiro por indivíduos pertencentes ao MPLA. Estes alegavam que o jurista tinha ligações à FNLA e que possuía armas em casa.
Numa certa noite, bateram à porta da sua casa de Luanda. O magistrado recebeu os visitantes na sala, tendo a família permanecido noutro compartimento. Ao estranharem a demora e o silêncio, os parentes foram verificar o que se passava. A sala estava vazia. Barroso de Moura tinha sido raptado.
O caso assumiu alguma visibilidade.
Não era só a natureza paradoxal de um Juiz se encontrar preso.
Ele era primo do Presidente da República. Aliás, Costa Gomes estivera hospedado, por diversas vezes, na residência de que este seu familiar dispunha no Mussulo.
Inicialmente, o MPLA até negou qualquer responsabilidade no desaparecimento de Barroso de Moura. A situação tornou-se desesperante para as pessoas da sua família.
Mais tarde, o movimento independentista reconheceu que tinha procedido à detenção do juiz. Mas acrescentou que ele se teria evadido, posteriormente. Tal não correspondia à realidade. Não se verificara nenhuma fuga.
O coronel Passos Ramos foi incumbindo pelo Chefe de Estado de promover o regresso do juiz a Portugal. O militar realizou várias diligências e apurou o paradeiro do prisioneiro, graças à intervenção de Firmino Miguel. Encontrou-se com o magistrado, na Praça de Touros de Luanda, onde ele permanecia privado da liberdade, em conjunto com outros portugueses.
Quando após três meses de clausura, Barroso de Moura aterrou em Lisboa, os familiares puderam verificar os vestígios dos maus-tratos infligidos: lesões num olho e marcas nos pulsos e nos tornozelos.
O diabo é que, de imediato, foi-lhe dada voz de prisão pelo Copcon, o comando operacional do continente, chefiado por Otelo Saraiva de Carvalho. Este militar assinava mandados de captura, em branco, para serem preenchidos pelos subordinados, sempre que lhes apetecesse mandar alguém para os calabouços.
Durante um mês, o Juiz esteve na cadeia de Caxias, com o argumento de que se aguardavam os documentos comprovativos das infracções supostamente cometidas por ele, em Angola. É claro que tais elementos nunca apareceram. Ao cabo de um mês, Barroso de Moura foi “libertado, a título condicional”.
O Juiz retomou a sua carreira, tendo desempenhado funções no Palácio da Justiça, em Lisboa.
IMPORTANTES OBRAS
Este dramático caso encontra-se relatado num importante livro, escrito por Leonor Figueiredo: “Ficheiros Secretos da Descolonização de Angola”. Constitui um notável documento, a par da obra publicada, há dois anos, por Américo Cardoso Botelho: “Holocausto em Angola”.
Há umas semanas atrás, o jornal “Expresso” inseriu um comovente texto, redigido pela Procuradora Francisca Van Dunem, por ocasião do aniversário do nascimento do seu irmão José, que esteve preso em Angola, um pouco mais tarde. Enquanto sofria constantes torturas cruéis, ele sempre manteve correspondência com a família. Até ao dia em que foi morto sem piedade, pelos seus algozes…