sexta-feira

UM SANTO NA PRISÃO




É comum os Negócios Estrangeiros procederem ao acompanhamento de portugueses que são presos fora do país.
Poderá causar alguma estranheza que se gastem recursos com alguém que é acusado de ter praticado um delito.
A questão é a seguinte. Sendo alguém detido no nosso país, o Estado Português confia às autoridades judiciais o encargo de lidar com o assunto.
Quando um português se encontra numa cadeia estrangeira, os tribunais portugueses não intervêm. Assim se explica que os canais diplomáticos se interessem pelo caso e apreciem em que termos se dá a privação da liberdade.



BES

Um caso curioso é contado numa obra magnífica: “Salazar e os Milionários”. O autor é Paulo Jorge Castro.
A situação ocorreu no final da segunda guerra mundial, quando já se antevia a derrota da Alemanha.
Ricardo Espírito Santo presidia ao BES, importante instituição bancária. Desde os seus 34 anos de idade, Ricardinho deslocava-se de carro para a Suíça, onde praticava esqui. Em Portugal, dedicava-se à esgrima e ao ténis. Em matéria de golfe, atingiu mesmo o título de campeão nacional. Agora quanto a desportos de inverno, era nos Alpes que sulcava a espessa neve.
Ricardo Espírito Santo nunca se esquecia de enviar postais ao seu amigo Salazar, contando como decorria a estada. Algo de singular acontecia. Ele redigia em língua francesa. Mesmo dirigindo-se ao Presidente do Conselho, a missiva passaria sempre pela Censura, caso fosse escrita em português. Para evitar delongas, o turista recorria àquele expediente.



O SENHOR SANTO

Certa vez, as coisas decorreram mal. Estava-se em Abril de 1945.
Hitler mantinha-se em Berlim. Nem todo o território francês estava isento de influência germânica. Muitos agentes policiais haviam colaborado com a ocupação nazi e mantinham algum poder.
Contudo, ao chegar a França, Espírito Santo não se deparou com polícias integrados nessa categoria. Pelo contrário, eram homens chefiados pelo Inspector Gout, que formou uma brigada de defesa do território.
O próprio Gout deslocou-se à raia, para prender Ricardo. Segundo uma denúncia, este era um homem perigoso, que negociara com os alemães. O caso teve imediata repercussão nos meios de comunicação social. O jornal londrino The Times informou que “o Senhor Santo” tinha comprado castelos e quintas em França, utilizando numerário. Tal não correspondia à realidade.
Até à sua morte, com 54 anos, Espírito Santo manteve a convicção de que o acusador tinha sido Monsieur Lefort, um diplomata colocado em Lisboa. Parece que este francês se encontrava melindrado pelo facto de nunca ser convidado para os eventos sociais do banqueiro.
Depois da detenção, um português deu um contributo adicional. Resolveu fornecer informações ao tal jornal britânico. Tratava-se de um indivíduo de apelido Machado, que trabalhava na empresa de gás Cidla, participada pelo BES.
Um factor jogava fortemente contra o recluso. O seu passaporte exibia muitos vistos de entrada na Alemanha.



NUMA CAVERNA

O chefe policial enfiou Ricardo Espírito Santo numa minúscula cela, situada na cave de uma antiga base da Gestapo. Em vez de cama, havia um saco de palha, sobre o qual se encontravam duas mantas malcheirosas. O cônsul português em Toulouse visitou o prisioneiro. Informou que ele estava “encarcerado numa caverna infecta, sem ar nem luz”.
Nada de equivalente aos luxuosos hotéis helvéticos, onde o financeiro se alojava durante as férias na neve. Era frequente ele oferecer a Salazar fotografias que ilustravam o requinte daquelas unidades.
O ditador acumulava a presidência do conselho com a pasta dos Negócios Estrangeiros. Os meios diplomáticos nacionais movimentaram-se rapidamente. Mesmo assim, Ricardo Espírito Santo ainda passou três noites naquela prisão. Só depois foi transferido para um hotel na mesma cidade: Perpignan.
O Ministro dos Negócios Estrangeiros francês formulou votos de que o banqueiro nunca mais pedisse autorização para entrar em França.
Contudo, a 7 de Julho, o Governo de Paris apresentou formalmente desculpas e afirmou que tinham sido punidos os responsáveis pela detenção ilegal.