Alguns contos do vigário são tão conhecidos que se deve
tornar difícil encontrar alguém que se deixe ludibriar com burlas de promessas
de emprego, ouro que carece de ser benzido ou avisos de que os euros vão acabar.
Um caso bem original de fraude ocorreu recentemente, no
Algarve.
Duas senhoras, uma portuguesa e outra de Inglaterra,
abordaram um construtor civil. Tinham visto um anúncio respeitante a uma enorme
e luxuosa moradia, a estrear. A estrangeira tinha interesse em visitá-la.
A nossa compatriota fez questão de explicar ao vendedor
que a sua amiga Carol era muito abastada. Pretendia utilizar a habitação como
casa de férias. Tencionava recheá-la com o mais requintado e dispendioso mobiliário.
ALMOÇO
Logo após conhecer a mansão, a súbdita de sua Majestade
manifestou a sua vontade. Estava decidida a comprar a propriedade.
Dali a uma semana, de volta ao seu país, procederia ao
pagamento de um sinal, no valor de meio milhão de euros. O contrato-promessa
seria então delineado. Um mês depois, ela aterraria novamente no aeroporto de
Faro. Celebrar-se-ia a escritura e o empreiteiro receberia o remanescente.
É claro que o empresário se deixou entusiasmar. Para o
dia seguinte, ficou aprazado um almoço com as duas trapaceiras.
Uma vez no restaurante, Carol questionou o algarvio se lhe
providenciaria uma planta da residência. Poderia até remetê-la por correio
eletrónico. O objetivo era fornecer o desenho a uma famosa decoradora londrina,
que se encarregaria dos interiores.
Faltava introduzir o terceiro pantomineiro. As duas
mulheres explicaram que, naquela manhã, tinham visitado uma galeria de arte. A
compradora da casa apaixonara-se por um quadro ali exposto. Representava uma
paisagem marítima. Era o ideal para a sua futura vivenda.
A obra de arte não era barata. Mas nada do que aquela
senhora desejava se ficava por preços baixos.
O diabo é que o marchand pedia o pagamento de metade do
valor para reservar a pintura. Caso contrário, surgindo uma outra pessoa
desejosa de a adquirir, ele não hesitaria em fechar negócio.
Eram 60 mil euros para assegurar que a tela passaria a embelezar
a magnífica mansão.
Cheio de boa vontade, o mestre-de-obras ofereceu-se
para resolver o problema. Ele próprio passaria lá pelo estabelecimento.
Procederia à liquidação do sinal exigido pelo galerista. A futura dona da casa
reembolsá-lo-ia quando fizesse a transferência do primeiro pagamento, dias
depois.
Assim ficou combinado, para alegria de todos, que
brindaram com um fresco Mateus Rosé.
QUADRO
Pela tarde, o construtor dirigiu-se sozinho à galeria
de arte. Pagou os sessenta mil euros. Estava longe de imaginar que o dono da
loja se encontrava mancomunado com as duas intrujonas. Levou com ele um recibo
em seu nome, conferindo-lhe o direito a levar o quadro, quando o restante fosse
remido, no prazo máximo de um mês.
As semanas passaram e o homem não recebia notícias
daquelas criaturas. Nunca mais se concretizava o tal compromisso de serem transferidos
os quinhentos mil euros, de forma a entabular o contrato-promessa.
Só então percebeu como fora enganado. Certamente, o
negociante de arte dividira a quantia com as pantomineiras, que fingiram
interesse na casa que ele edificara.
Tudo o que o desgraçado possuía era um papel,
comprovando que deixara um dinheirão para compra de uma tela que, em boa
verdade, pouco valia.
Estava fora de questão gastar outros sessenta mil euros,
para obter aquele quadro tão desinteressante. O sinal estava definitivamente
perdido, em benefício de três aldrabões, que o engrolaram.