terça-feira

NÃO SAIO DAQUI



No seu novo livro, Gustavo Sampaio analisa a atividade de alguns advogados lisboetas. A excelente obra chama-se “Facilitadores” e dedica-se a causídicos que vivem de bons contatos com gente poderosa.
Nalguma medida, o trabalho é subsidiário do portal Base, um espaço na internet onde se divulgam os negócios que o Estado mantém com particulares, nomeadamente juristas.
Alguns destes contratos são falsos. Na verdade, não existe nenhuma prestação de serviços. Os estudos encomendados, as tarefas adjudicadas e os pareceres pedidos são fictícios. Tratam-se de meros pretextos para pagamento de notas de honorários. Depois, o dinheiro é repartido alegremente entre os vários intervenientes.
Esta é a faceta mais conhecida. Tem levado a buscas policiais nalguns escritórios e enche as páginas dos jornais.


SIMPLIFICAR

Neste livro, a parte que mais me interessou é a respeitante à forma como os advogados simplificam a vida dos clientes, mediante a abordagem das dificuldades junto das pessoas competentes para solucionar os problemas.
Desde que não se entre no domínio do tráfico de influências, tudo se processa no respeito da moralidade e da lei.
No fundo, o advogado não faz mais do que o mecânico que manipula a centralina de um carro.
Um indivíduo deixa um stand, bem satisfeito com o seu automóvel novinho em folha. Logo de seguida, mete-se numa daquelas oficinas, que mais parecem um laboratório informático. O veículo entra com um motor de 120 cavalos, tal como prometido pelo vendedor e anunciado no catálogo. Num ápice, a viatura fica a debitar uma potência de 180.
A partir desse momento, o feliz condutor passa a dispor de uma vantagem sobre todos os outros que compraram um carro igual.


CASAS PRÉ-FABRICADAS

Eu reconheço que há casos mais delicados do que outros, situações de fronteira e algumas circunstâncias que suscitam dúvidas.
Uma ocorrência curiosa passou-se há anos, quando Cavaco Silva era primeiro-ministro.
Na Marinha Grande, uma empresa estava a enfrentar complicações. Tinha fornecido uma série de casas pré-fabricadas para a Argélia e o pagamento nunca mais era realizado.
O advogado da companhia tentava obter a quantia, mas sem êxito. Provavelmente, o caso ir-se-ia arrastar nos meandros do direito internacional privado.
Algo desesperado, o dono da fábrica lembrou-se de recorrer a um general, com bons relacionamentos nos meios políticos. Era um oficial que participara na revolução de 1974, muito honesto e considerado.
O chefe do governo tinha uma viagem oficial marcada para aquela nação francófona e a deslocação poderia ser aproveitada para discutir o calote.
Acontece que o militar estava com alguma dificuldade em chegar à fala diretamente com Cavaco.
De maneira que surgiu no Palácio de São Bento e irrompeu por ali dentro. Sentou-se e afirmou que não abandonaria o local enquanto não fosse recebido pelo primeiro-ministro.
Naturalmente, o político mostrou-se intransigente. Nunca iria reunir-se dessa forma, mediante uma pressão inaceitável. Do ponto de vista institucional, considerando os cargos oficiais do general e do chefe do executivo, até seria contraproducente ceder àquela atitude um pouco imatura.
No entanto, o caso foi tratado com educação e muito tato. O ministro da defesa foi apresentar os seus cumprimentos ao capitão de Abril. Explicou-lhe que era inviável a audiência, mas ouviu-o em tudo o que ele tinha para dizer.
De maneira que, ao concretizar-se a viagem ao país africano, o advogado da empresa seguiu na comitiva portuguesa. Aí, teve oportunidade de debater o assunto que tanto o preocupava.
A dívida foi prontamente liquidada.