“Qual é a pena para o crime que eu cometi? Forca ou
fuzilamento?”.
Frederico Carvalhão Gil, o espião preso em Itália, não
deve ter colocado esta pergunta aos agentes policiais que o detiveram.
Na Europa, a italiana Toscânia foi pioneira a abolir a
pena de morte em 1786. Após a unificação, Mussolini foi fuzilado três vezes em
1945. Faleceu à primeira, mas houve duas encenações posteriores para consagrar
a versão oficial (Matar o Morto). Depois, em todo o território macarrone
abandonou-se a sentença capital.
Em 1917, os portugueses executaram João Almeida. Foi a
última sanção letal aplicada por autoridades nacionais.
Na Rússia, há 20 anos que não há condenações fatais.
De maneira que o alto quadro do serviço de informações
e segurança de Portugal não deve ter receado que pusessem termo à sua vida.
Nenhuma das três nações envolvidas usa tal metodologia judicial.
QUE AZEITEIRO…
Aliás, ele explica que só recebeu dinheiro do russo por
causa de um negócio de azeite, para complementar o vencimento. Desconhecia que
o homem pertencia aos serviços secretos do país dele.
Deve ser uma pessoa cheia de azar.
Planeou comercializar gorduras vegetais e só depois veio
a descobrir que o sócio pertence à SVR.
Se calhar, lá na prisão, estava com os azeites e não se
lembrou de outra explicação melhor.
Deixou-se apanhar de modo básico. Meteu férias e teve o
cuidado de não comunicar que ia para o estrangeiro. Depois, quando um vendedor
de carros o convidou para um lançamento da Audi, ele não resistiu a contar que iria
viajar para fora. Com a polícia judiciária a ouvir tudo.
Custa aceitar o deslize. Só para dizer que um automóvel
novo não estava nos horizontes dele, mas meter-se num avião sim.
TINTA SIMPÁTICA
Pior sorte teve Rogério de Magalhães Peixoto de
Menezes, preso no dia 25 de fevereiro de 1943, em Belgrave Square, Londres. Acusado
de espionagem em tempo de guerra, ele sabia que não haveria contemplações. Por
isso, decidiu formular aquela indagação insólita:
- Qual é a pena para o crime que eu cometi? Forca ou
fuzilamento?
O datilógrafo era funcionário da nossa embaixada em
Inglaterra.
Facultou aos nazis informações sobre movimentações de
aliados na Grécia. Frequentemente, enviava cartas para a irmã, Hália Peixoto de
Menezes, residente em Lisboa. Com tinta simpática invisível, revelava aqueles
elementos secretos.
O MI5 comunicou tudo ao organismo diplomático
português.
Em Londres, o superior hierárquico do espião chamou-o
ao seu gabinete. Narrou-lhe o que havia sido descoberto. Ouviu-o em declarações
e garantiu-lhe que o Estado suportaria as despesas com o advogado de defesa.
Mas ele deveria retirar-se de imediato e, na via pública, seria preso pelas
autoridades britânicas.
Resignado, o sujeito de 26 anos abriu a porta e, pela
última vez em liberdade, respirou o smog da capital do Império de Sua
Majestade. Como esperava, foi abordado e quis logo saber como iria morrer.
CHEGA A HORA
A 26 de maio de 1943, faltavam dois dias para a data do
seu enforcamento, decidido após um julgamento pouco complicado, considerando a
confissão do réu.
Richard Ludlow, o advogado de defesa, já tinha
apresentado a conta de 118 libras esterlinas, honorários prontamente pagos pelo
governo português.
De repente, veio uma novidade. O Reino de Inglaterra
comutara a pena em prisão perpétua, atendendo a um pedido formulado pela
diplomacia lusa.
Mais tarde, findo o conflito armado, não havia grandes
motivos para manter o encarceramento vitalício.
Menezes foi mandado para Portugal em 1949. Após dois
meses na cadeia do Aljube, conquistou a liberdade definitiva, situação em que viveu
durante mais quarenta anos até morrer em Castelo Branco.
Os factos foram conhecidos na totalidade com a
permissão de acesso público ao diário de um espião inglês homossexual, Guy
Lidell. Em Portugal, a obra foi divulgada por Rui Araújo, autor dos livros “O
Diário Secreto” e “O Império dos Espiões”.