quinta-feira

RICO E PODEROSO



A propósito dos banqueiros condenados, um Amigo questionou-me se a Justiça atuaria da mesma forma quanto a um vulgar assaltante.
Ocorreu-me o caso de um cliente meu, cujo final feliz deu-se em março, no tribunal de Loures.
Passava pouco das dez da manhã quando dois gatunos armados entraram numa dependência bancária. Não podia ser coincidência. Sabiam que, naquele momento, haveria mais dinheiro em numerário do que o habitual. Apoderaram-se de quase toda a maquia e desapareceram no veículo em que tinham chegado.
O sotaque de ambos era brasileiro e as câmaras de videovigilância mostravam os seus rostos, posto que agiram sempre de cara descoberta. Aquela atitude tão descontraída revelava que não deveriam ter intenções de permanecer muito tempo no território nacional.


CADEIA… DE RESTAURANTES

Pouco tempo depois, um cidadão das terras de Vera Cruz chegou a França,
Alto, entroncado, de farto e saudável cabelo castanho, sempre se mostrou muito sociável. Num ápice, Guilherme montou um sólido império de restaurantes bem sucedidos.
Ele, a mulher e os filhos nunca mostraram sinais de dificuldades económicas, revelando por vezes até alguma ostentação. As crianças frequentam os melhores colégios parisienses e o apartamento onde vivem não podia ser mais luxuoso. Nota-se que compram roupa em dispendiosas lojas e os potentes carros em que se fazem transportar não deixam dúvidas.
Rapidamente se soube que o brasileiro, de trinta e poucos anos, tinha morado em Portugal, sem a atual abastança. Na versão mais favorável, fora servente de pedreiro. Para os que mantinham a memória viva, até tinha sido apanhado em alguns delitos.


CADEIA… COM GRADES

Pois numa ocasião, nos arredores da capital francesa, Guilherme seguia ao volante do seu luxuoso automóvel. A seu lado, encontrava-se um colaborador no assento dianteiro do passageiro. Uma viatura policial atravessou-se à frente e uma série de agentes surgiram, obrigando os dois homens a saírem e deitarem-se no chão. Algemados, apenas o meu Cliente deu entrada na temível cadeia de Fresnes. A mesma onde, há dias, morreu um cidadão luso que ali se encontrava encarcerado.
O empregado foi apenas identificado e logo restituído à liberdade.
Contra o Guilherme havia um mandado de detenção europeu emitido pelas autoridades portuguesas. Ele era um dos suspeitos daquele audacioso assalto ao banco a norte de Lisboa. Ainda penou quase um mês à ordem dos serviços prisionais gauleses antes de embarcar com destino ao aeroporto Humberto Delgado.
No nosso país, apenas esteve preso durante um curto período inferior a 24 horas. Ficou a aguardar o julgamento em liberdade, com autorização para regressar a França. Apenas teve de comparecer a uma entrevista perante os serviços de reinserção nas Caldas da Rainha, previamente à audiência.


BIOMETRIA

Entretanto, eu tinha visto e revisto as filmagens. As câmaras de vigilância eram de qualidade e forneciam imagens bem nítidas. Realmente, tratavam-se indubitavelmente de dois homens, um substancialmente mais baixo do que o outro. O de estatura mais elevada poderia eventualmente ser o meu cliente. Mas verdadeiramente nem a sua própria Mãe estaria em condições de afiançar, com certeza absoluta, que reconhecia o descendente.
Palpites, pressentimentos ou sensações não bastam para considerar que um homem é culpado de um crime.
A biometria é a forma científica de comparar os registos de uma pessoa com as imagens de alguém. No tribunal, entreguei uma dezena de fotografias do Guilherme, tiradas no ano em que ocorrera o ataque à dependência bancária.
Pedi um relatório pericial a uma entidade da Polícia Judiciária, que funciona no respetivo Laboratório de Polícia Científica: o serviço de especialidade forense de imagem digital.
O resultado do exame foi inconclusivo. Era impossível confirmar que aquele assaltante era efetivamente a mesma pessoa que surgia naquelas fotografias do Guilherme.
E assim ele foi absolvido e mandado em paz.