Aurílio Nascimento é o comissário da
polícia brasileira responsável pela investigação que concluiu pela culpa de
Domingos Duarte Lima no homicídio de uma milionária de 74 anos, no Rio de
Janeiro.
O funcionário escreveu um interessantíssimo
livro sobre aquele drama: “Rio Derradeiro”.
É seu co-autor Carlos Diogo Santos, jornalista português especializado em casos
judiciais.
No nosso país, como em qualquer outra parte
do mundo, a abordagem policial de um assassinato começa com um inquérito de
proximidade. As pessoas mais chegadas à vítima são questionadas, exprimindo as
suspeitas e fornecendo indicações sobre quem poderá ter praticado o crime.
Depois, os prováveis delinquentes são
convocados para um interrogatório.
FADISTA DO RIO
Por isso mesmo, o delegado instruiu Aurílio
no sentido de comparecer ao enterro de Rosalina Ribeiro. A desinfeliz finada tinha
sido colaboradora de Tomé Feiteira, empresário radicado no Brasil. A dada
altura, a senhora iniciou uma relação amorosa com o patrão, até ele falecer em
2000.
No cemitério, o polícia centrou-se numa
conversa que manteve com Maria Alcina, fadista portuguesa que mora em terras de
Vera Cruz há mais de cinco décadas. Era a melhor amiga da falecida. Naquele
espaço sagrado, a artista fazia-se acompanhar do marido e da filha.
DOIS SUSPEITOS
As opiniões eram unânimes e todos os que
tinham dialogado com a cantora salientaram duas circunstâncias.
Em primeiro lugar, a grande inimiga da
defunta era uma sua enteada, por assim dizer.
Olímpia Feteira Meneses, única filha viva
do industrial da Marinha Grande, herdava a fortuna.
Porém, a sucessora via-se a braços com
transferências avultadíssimas feitas pela antiga companheira do pai, em ordem a
esconder o dinheiro na Suíça.
A descendente insistia que nada tinha a
ganhar com a morte daquela que fora secretária do filantropo. Gostaria era de
ver a mulher apodrecer na cadeia, razão pela qual apresentara uma queixa
criminal em território luso.
Mas a realidade é que Olímpia beneficiou
com o desaparecimento da mulher que tanto odiava.
Os que se encontravam no funeral destacaram
um segundo aspeto.
Era estranho que Duarte Lima estivesse
ausente. Ele encontrava-se naquele país, para onde tinha ido nas vésperas do
Natal de 2009, propositadamente para se reunir com a idosa, a quem prestava
serviços. Demoraram-se num luxuoso restaurante e agora que ela perdera a vida
de forma tão trágica, o advogado não lhe prestara uma última homenagem.
SEGURANÇA
Rapidamente, o agente da autoridade
compreendeu que as pessoas a interrogar seriam aquelas duas.
Apenas Olímpia correspondeu à convocatória.
No aeroporto de Lisboa, embarcou para uma viagem de nove horas.
Desde a sua chegada ao aeroporto Santos
Dumont, ela esteve sempre rodeada de guarda-costas. Quatro polícias e um
bombeiro dispuseram-se a fazer um part-time privado, garantindo a segurança da
senhora, então com 69 anos. Tinham sido recrutados pelo advogado carioca Sérgio
Bermudes, seu causídico no Brasil.
Dava a impressão de que, mesmo residindo em
Portugal, Olímpia tinha o poder de mandar cumprir as suas ordens no Rio de
Janeiro.
Ao invés, o político português optou por
não se deslocar à esquadra brasileira. Permanecendo sempre no nosso país,
formulou esclarecimentos por escrito e falou telefonicamente com o
investigador. Nessa conversa, tentou explicar que o bárbaro ato fora “claramente obra de profissionais”.
Pretendia transmitir a perceção de que um assassino a soldo disparara sobre a sua
cliente, em Maricá.
PENA MÁXIMA
O Ministério Público do país irmão acusou
formalmente o advogado pelo homicídio.
Juridicamente, as coisas passam-se do
seguinte modo.
O Estado português não extradita nenhum
cidadão nacional para que fique preso no estrangeiro.
A única exceção respeita ao espaço da União
Europeia. Tecnicamente, nem há extradição. Fala-se em simples entrega. Se um
estado europeu pede a detenção de um cidadão luso que está em Portugal, as
autoridades locais prendem-no e transportam-no até esse país, onde será julgado
ou cumprirá pena.
Não estando em causa o Velho Continente,
Domingos Duarte Lima será arguido em julgamento no Tribunal de Lisboa, acusado
de um homicídio ocorrido fora do território nacional, aplicando-se o código
penal brasileiro. Apenas um limite é imposto: a pena máxima é a da lei
portuguesa, por ser menos gravosa. Caso haja sanção, não excederá 25 anos.
Uma coisa é indubitável.
Não corresponde à realidade aquela ideia do
assassínio por encomenda.
Quem quer que tenha decidido pôr termo à
vida da idosa, fê-lo com as suas próprias mãos. Nunca colocar-se-ia na
dependência de um terceiro com quem teria de partilhar aquele segredo para
sempre. Ficaria eternamente sujeito a eventual chantagem do jagunço ou
arriscar-se-ia a um simples deslize involuntário que incriminasse o mandante.