segunda-feira

DESCONFIAR EM VEZ DE CONFIAR



Gozei do privilégio de ter sido aluno do Professor Marcelo Rebelo de Sousa. Na Faculdade de Direito de Lisboa, sentávamo-nos à sua frente, dotados de um caderno, prontos a tomar notas.
Ele falava a um ritmo mais rápido do que aquele a que nos habituou nos comentários televisivos. Mas recolher os apontamentos não se tornava difícil.
É que as lições apresentavam duas características. O professor repetia de imediato as partes mais importantes, mas por outras palavras. Quem não tivesse compreendido ou registado à primeira, iria certamente perceber com a segunda explicação. Depois, ele tinha um sentido de humor excepcional e empregava uma linguagem que ia para além da clareza: era mesmo divertida.



DIFERENÇA
Recordo-me de ele ensinar a diferença entre a actuação dos funcionários públicos anglo saxónicos e os de países de raiz romano-germânica.
Em França, na Alemanha, em Itália ou em Portugal, normalmente os actos estão sujeitos a visto prévio. Cada despesa efectuada, compra ou contrato celebrado, em princípio, deve ser antecipadamente aprovado pelo Tribunal de Contas.
No Reino Unido e nos outros países com o mesmo sistema, faz-se uma fiscalização posterior.
Os estudiosos do Direito Administrativo franceses estavam convencidos que, um dia, os ingleses haveriam de entender a superioridade do método gálico e iriam adoptá-lo. Mas isso nunca mais sucedia. Portanto, os franceses finalmente concluíram que já era estupidez a mais. Aceitaram que são duas maneiras diferentes de agir, cada uma com as suas virtudes e desvantagens.



CASTELO DE VIDE
Na passada quarta feira, encontrei-me com o meu querido amigo Richard, conceituado advogado norte-americano. Andámos pelo Alentejo. Partimos de Ponte de Sor e fomos jantar a Castelo de Vide. Que belo passeio !
Nas nossas conversas, abordámos o tema.
Acidentalmente, acabámos por falar sobre uma tragédia ocorrida na região onde nos encontrávamos.
Um intelectual administrava uma excelente biblioteca. Movimentou determinadas quantias de montante pouco significativo, em proveito da organização que dirigia. Mas não cumpriu certas formalidades e requisitos que a lei previa. Foi realizada uma investigação.
O caso deixou-o de tal modo incomodado que o funcionário acabou por entrar em desespero. Tomou o pesticida 605 Forte, para por termo à vida. Felizmente, não morreu, mas perdeu as cordas vocais.



DESCONFIADOS
Em Portugal, somos desconfiados por natureza. Para levar a cabo qualquer iniciativa, têm de se observar uma série de procedimentos prévios. São reconhecimentos de assinaturas, certificações de que não há dívidas, registos criminais, pareceres, vistorias e um monte de outras burocracias. Tem de se ter a certeza que está tudo em ordem. Um compromisso de honra pouco vale.
Em Inglaterra, age-se ao contrário. Confia-se nas pessoas e deixa-se que elas avancem com os projectos. Depois, há fiscalizações. Se for detectada uma falcatrua, o infractor é severamente punido, seja ele quem for. Como já recordei em tempos, o Lorde Jeffrey Archer esteve preso durante dois anos.