domingo

QUE GRANDE CALOTEIRO




Há tempos, referi-me a um livro denominado “Concurso de Penas”. Não se trata de nenhum programa televisivo com pessoas a lamentarem-se e a terem dó de alguém. Estudam-se os casos em que a mesma pessoa é condenada por vários crimes.
Há outro livro com um título curioso. Dava um bom show de TV.
A obra chama-se “Concurso de Credores” e foi escrita pelo Juiz Desembargador Salvador da Costa.
Imagine-se o programa na televisão. Uns indivíduos queixavam-se de outro que nunca mais lhes pagavam. Eram uma série deles contra o mesmo caloteiro.
Cada credor era acompanhado por uma equipa de reportagem, nas tentativas de reaver o dinheiro em dívida. Ia-se vendo o caloteiro acossado pelos credores. Dava explicações e pedia moratórias ou solicitava o pagamento em prestações. O vencedor seria aquele que conseguisse obter o pagamento em primeiro lugar.
Por exemplo, um dos participantes decide fazer telefonemas, enviar faxes, mandar e-mails pela Internet e deixar recados aos vizinhos.
É uma técnica conhecida. Vai-se à casa do devedor numa hora em que ele não está lá. Toca-se muitas vezes à campainha. Dá-se nas vistas Até que aparece um vizinho. Com ar muito inocente, pergunta-se se ali é a residência do Sr. Correia. Depois, colocam-se mais umas questões sobre as horas a que ele sai de casa, quando regressa e onde estará naquele momento. O outro salvaguarda-se porque não deseja problemas. Diz desconhecer. Ora é isso mesmo que o credor quer. Começa a desabafar:
- É uma maçada. Não consigo encontrá-lo. Ele deve-me mais de mil contos. Diga que eu cá estive e ele que faça a transferência bancária amanhã.
O desgraçado do vizinho não desejava aborrecimentos. Mas fica agora com uma incumbência. Tem de transmitir o recado ao outro.
O caloteiro fica envergonhado perante a vizinhança. Tem receio de que o homem regresse lá. Acaba por arranjar maneira de pagar.

Outra jogada é enviar uma carta para o 5º andar esquerdo. O credor bem sabe que o homem mora é no direito. Mas vai assim e vai aberta por esquecimento. O vizinho do lado recebe a carta na caixa do correio. Acaba por lê-la e só depois entrega-a ao destinatário.
Bom, mas então o tal livro escrito pelo juiz desembargador trata de quê ? É do concurso de credores, mas daquele que se prevê no Código Civil.
No fundo, a questão é semelhante. Mas em vez de ser um júri televisivo, é o juiz a decidir. São sete cães a um osso. Há uma data de de credores contra um devedor. De uma forma geral, os bens para venda são escassos.
O Juiz tem de analisar como se vai proceder ao pagamento logo que os bens penhorados sejam vendidos judicialmente.
Há uns credores mais iguais do que outros.
Para já, tira-se logo à cabeça o dinheiro para pagar as custas do tribunal.
Depois, pagam-se as dívidas à Segurança Social e às Finanças.
Caso haja salários devidos a trabalhadores, são logo satisfeitos também.
Se a casa estava hipotecada, o banco recebe a seguir.
Há ainda uma quantidade de credores privilegiados em legislação extravagante. Por vezes, os juristas empregam com cada expressão mais rebuscada. Mas é mesmo esta a terminologia correcta. São pessoas que se encontram privilegiados em relação aos outros credores. Por exemplo, os titulares de semanas de férias ou o indivíduo que realizou despesas com a remoção e o armazenamento de veículos penhorados.
No final, o que sobejar vai proporcionalmente para os outros credores.
Tudo termina com a sentença de verificação e graduação de créditos. É o Juiz a dizer se existem ou não os créditos e a elencá-los por ordem de prioridades.