segunda-feira
REPOUSA NO CEMITÉRIO, MAS VIVO
Acabo de ver uma peculiar errata num magnífico livro que foi apresentado a 16 de Junho de 2004, num sindicato de professores.
Trata-se de uma antologia dedicada a Cascais, da autoria de Nídia Horta. A reputada poetisa reúne alguns dos textos mais belos sobre aquela Cidade. É uma excelente obra a não perder: "Louvor a Cascais".
A terminar, encontra-se a tal adenda. Informa-se que na página 87 onde se lê "repousa" deve ler-se "continua a trabalhar e a exercer a sua arte". Não me parecia um lapso de escrita. Calculei que o gato era maior...
Fui logo ver a tal página. Aí menciona-se que o autor de uns bonitos versos "repousa no cemitério da Guia, em Cascais". Felizmente isso não é verdade. Celestino da Costa continua vivo e de boa saúde.
Tudo ficou resolvido a tempo, antes do lançamento. O erro deveu-se a um lapso de informação. Não retira valor ao precioso livro.
Mas em Setúbal, há uns tempos, sucedeu algo de gravíssimo. Envolveu o nome de um famoso poeta e professor, já falecido.
Um vereador do município decidiu intervir num debate ocorrido num estabelecimento de ensino. Afirmou que Sebastião da Gama tinha dito: "Setúbal é um cagalh... servido numa bandeja de prata". Apressou-se a discordar de tal opinião.
De uma só penada, ofendeu os setubalenses e a memória de um extraordinário homem de letras.
É altamente indecoroso atribuir essa afirmação ao pedagogo, que não se encontra entre nós para se defender.
Ignoro se aquele cavalheiro já visitou o Museu Sebastião da Gama. Quem conhece a personalidade do escritor sabe que ele se tratava de um homem polido e cortês. Era incapaz de pronunciar palavrões e ordinarices, como fez o autarca. Sem pudor. Ainda por cima em público, num estabelecimento de ensino. Para proferir um enorme ultraje. Que falta de educação e de sensatez !
Os sadinos estão muito indignados e revoltadíssimos. Até a insuspeita Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, presidida pelo grande intelectual Professor Maurício Costa, manifestou o seu total repúdio por atitude tão indecente. A instituição qualificou a detestável intervenção como "imensamente deplorável".
A ofensa a mortos pode implicar ter de cumprir até seis meses de prisão. Contudo, se o falecimento tiver ocorrido há mais de cinquenta anos, a difamação já não é punida. Ora Sebastião da Gama morreu em 7 de Fevereiro de 1952. O timing acentua ainda mais a baixeza.
Agora vem o mais incrível. Passaram-se já alguns dias. O vereador ainda não deixou o executivo camarário, tal é o apego que tem ao cargo.
Um Ministro do Ambiente demitiu-se logo após contar em público uma anedota de mau gosto, referindo o caso de uns doentes que tinham morrido vítimas de incúria.
Por vezes, no âmbito municipal, a ânsia de manter a todo o custo o lugar sobrepõe-se à noção de bom senso e dignidade.
Aquele autarca deve pensar que é aceitável continuar em funções. Que falta de vergonha na cara !
Também não é de esperar grande coisa de quem vai para um estabelecimento de ensino dizer uma asneira, enquanto discursa.