terça-feira
AS CEGONHAS DE CORUCHE
Sentei-me agora junto ao computador, depois de ter auxiliado a minha filha, de seis anos, nos trabalhos de casa.
É raríssimo fazê-lo. Ela é muito orgulhosa e dispensa tal tipo de apoio.
Nas fichas que traz, há duas quadrículas, nas quais ela assinala com uma cruz: “não tive ajuda”.
Embora o tempo verbal se reporte ao passado, a Joana preenche essa zona, ainda antes de iniciar os trabalhos. Assim, já tem motivos para dizer que não pode recorrer a nenhuma assistência.
No entanto, desta vez, o T.P.C. era mesmo para ser feito em colaboração com os pais. O objectivo era haver interacção.
Segundo a pequena me anunciou, o tema respeitava às “cegonhas em vez de extinção”.
Lembrei-me de uma ocasião em que ela decidiu corrigir o primo. Estávamos no campo e o Francisco vinha com uma pinha na mão. Anunciou: “tenho uma pinga”. Não conseguimos conter o riso. A Joana apercebeu-se de que ele se enganara. Ensinou-lhe que aquilo era uma espinha. Pior a emenda do que o soneto…
Lá assentámos ideias de que as cegonhas estariam em vias de extinção. Expliquei à minha filha que era uma situação semelhante à do cavalo Sorraia. Este vai certamente ser salvo, graças à reserva de Alpiarça, na qual a respectiva Câmara coloca todo o empenho.
Já que o trabalho era para ser feito em conjunto, resolvi aprender algumas coisas.
Mas também aproveitei para transmitir outras, que já conhecia.
Na cartolina amarela, ficou colada uma fotografia do tribunal de Coruche.
A esse propósito, mencionámos que o crime não compensa. Em concreto, não é boa ideia destruir ninhos de cegonhas.
O caso passou-se há dezassete anos atrás.
A organização ambientalista Quercus visitou aquele concelho e verificou que a maior concentração de cegonhas do Ribatejo se encontrava numa quinta de Coruche.
Em apenas três pinheiros mansos, havia vinte e sete ninhos.
A importância deste habitat é vital.
Chegado o fim do Verão, as cegonhas migram para o norte de África. Regressam em Março, exactamente para o local onde têm os seus ninhos.
Se eles já não existirem, as aves podem vir a morrer.
Os ambientalistas tomaram duas medidas.
Afixaram cartazes, alertando para a necessidade de preservar aquela espécie.
Conversaram com a administradora daquela quinta. Era uma antiga enfermeira, que se passara a dedicar à agricultura.
Dois dias depois, aqueles pinheiros mansos foram abatidos por um madeireiro, que os aproveitou. Lá se foram os ninhos, inevitavelmente destruídos.
O caso foi levado a julgamento. Era arguida a tal administradora, acusada de crime contra o ambiente.
A defesa estava bem concebida.
Ela ia instalar um sistema de rega automática, na quinta.
Muito antes de os representantes da Quercus lá terem ido, já ela tinha chegado a um acordo com o tal madeireiro. Cedia-lhe os pinheiros, desde que ele os tirasse de lá. Necessitava absolutamente de limpar aquela zona.
Depois de falar com os ecologistas, já não foi a tempo de avisar o homem. Ele nem telefone tinha.
Portanto, ela não tinha culpa nenhuma.
A coisa não pegou e ela foi mesmo condenada.
Em primeiro lugar, quando falou com os ambientalistas, a senhora nunca referiu que já tinha decidido ver-se livre dos pinheiros.
Depois, era verdade que o madeireiro não tinha telefone. Mas havia lá, perto da casa dele, um café. Era fácil estabelecer o contacto.
Assim terminou o caso das cegonhas de Coruche, julgado ainda no tribunal antigo.
Foi decisivo o contributo do Senhor Adelino, motorista da Associação do Sorraia. Ele serviu de guia aos membros da Quercus e foi-lhes mostrando onde as cegonhas nidificam.