O meu companheiro José encontrava-se ao volante do seu automóvel, numa fila, aguardando que acendesse a luz verde do semáforo.
Do lado oposto, em sentido contrário, outro conjunto de viaturas esperavam pelo mesmo sinal.
Uma condutora fazia-se transportar num carro modesto, utilitário, já com alguma idade. Tinha a janela aberta e resolveu fazer uma limpeza. Lançou fora um lenço e outros pedaços de papel, que aterraram na via pública.
Logo uma série de condutores que se encontravam do lado oposto manifestaram a sua indignação. O mais simpático que lhe chamaram foi “sua porca”.
O José deixou que os ânimos se acalmassem.
Saiu do seu Mercedes Benz, novinho em folha, e deu mostras da sua inigualável classe. Baixou-se e apanhou todo o lixo deitado fora pela tal senhora. Delicadamente, colocou-lhe tudo aquilo no seu colo, enquanto ela permanecia agarrada ao volante.
Depois, disse-lhe:
- Peço-lhe que coloque este lixo num caixote.
O José ia a regressar ao seu veículo, quando foi abordado por uma outra senhora, que o elogiou. Disse ela que os insultos dos outros condutores não serviriam de nada. Mas a lição de civismo dada pelo meu companheiro ficaria gravada, para sempre, na memória daquela condutora.
Ou seja: não havia necessidade, como diria o Diácono Remédios. Não era preciso injuriar a senhora. Bastava-lhe chamar a atenção de modo civilizado.
CASTIGO
O princípio da necessidade vigora precisamente no Direito Criminal.
Se não for preciso condenar aquela pessoa a dez anos de prisão, então ficamo-nos pelos cinco anos. Tudo o que seja inútil é afastado no domínio penal. Se não for preciso mandar o indivíduo para a cadeia, aplica-se uma multa.
Esta norma basilar significa também que o castigo só se impõe se for realmente necessário.
Por isso, muitas vezes, o juiz pode optar pelo trabalho a favor da comunidade.
O labor prestado pelo arguido pode substituir a pena de multa ou a pena de prisão.
Há três regras básicas.
Em primeiro lugar, nenhum juiz pode obrigar uma pessoa a trabalhar. Portugal, como todos os países membros da Organização Internacional do Trabalho, assinou tratados que proíbem os trabalhos forçados.
Mesmo os reclusos não são compelidos a trabalhar. A maior parte deles prefere fazê-lo e é possível criar um sistema de compensações para quem laborar. Mas os que prefiram não trabalhar estão no seu direito.
Portanto, é essencial que o arguido dê o seu consentimento para que a pena consista em trabalhar a favor da comunidade.
Depois, o juiz só substitui a multa ou a prisão por trabalho se isso se traduzir numa medida que permita prevenir a futura prática de crimes. O objectivo não é arranjar emprego ao criminoso.
Finalmente, interessa que a função desenvolvida pelo arguido tenha valor para a sociedade. Ora muitos dos arguidos não têm hábitos de trabalho e são preguiçosos. Relativamente a esses, não vale a pena pensar nesta medida.
Certa vez, um empreiteiro que tinha sido apanhado a conduzir embriagado já pela segunda vez, disse-me preferir trabalhar a ir para a prisão.
Eu condenei-o a 160 horas de trabalho a favor da comunidade. Ele lá deve ter feito as suas contas e perguntou-me:
- Posso mandar um empregado meu fazer o trabalho?