sábado

SENTIMENTOS CONTRADITÓRIOS




O tal caso dos três grandes assaltantes de Alpiarça foi extremamente empolado pela comunicação social.
Jornais, televisão, rádio: todos se empenharam em demonstrar que fora abortado o plano de um gigantesco e violento roubo.
Eu interroguei os três detidos e fiquei com uma impressão diferente.
Os indivíduos eram imigrantes de leste, em situação irregular em Portugal. Andavam num automóvel, em cujo porta bagagens, se encontrava gelamonite, explosivo habitualmente utilizado nas pedreiras. Cada um tinha consigo um telemóvel, mas não a respectiva factura.
Para os jornalistas, as coisas eram vistas numa certa perspectiva.
Eles já eram pessoas que tinham cometido ilegalidades, possuíam telemóveis de origem duvidosa e tinham consigo explosivos que se destinavam certamente a praticar um gigantesco assalto.
É uma leitura muito peculiar dos factos.
A realidade pode ser interpretada de várias formas e aquela era uma delas.
Eu, que analisei tudo cuidadosamente, não retirei essas conclusões.
Por mais que me esforçasse, não consegui penetrar no interior da cabeça daquelas três pessoas.
Portanto, tive dificuldade em perceber para que se destinava a gelamonite.
Mas evidentemente, pode sempre apresentar-se a tese da cabala. Ou a conhecida teoria da conspiração.
Quando se quer dizer mal de alguma coisa, criticar ou censurar, a tarefa é facílima. E há quem se dedique a isso.
O Tal & Qual pratica um jornalismo muito especial.
Certa vez, um casal meu amigo foi alvo de uma reportagem que ocupou uma página inteira.
Ela é professora. Ele é dono de uma empresa industrial de Benavente.
Têm ambos um filho de seis anos de idade.
Uma repórter do Tal & Qual tinha uma missão: redigir um artigo sobre um caso dramático ocorrido no Hospital pediátrico Dona Estefânia, em Lisboa.
Eu não sei se o objectivo era dizer bem ou dizer mal. Mas conheço o resultado.
Ela ia abordando os pais que acompanhavam as crianças, que iam tendo alta.
Dizia que era jornalista e que pretendia colocar umas questões sobre o serviço ali prestado.
Até que encontrou o que queria: aqueles meus amigos e o jovem filho.
Era a terceira vez que a criança era operada, relativamente a uma delicada situação.
Havia sempre a esperança de que a doença ficasse debelada definitivamente. Mas as consultas posteriores revelavam a necessidade de nova intervenção cirúrgica.
Os pais lá prestaram o seu depoimento. O repórter fotográfico captou umas imagens.
Estes meus amigos contavam com um artigo sobre os cuidados prestados naquela unidade, com eventual alusão a algum comentário que eles tivessem feito.
Uns dias depois, eles foram prevenidos, por amigos, de que tinha saído aquela notícia.
Eram apresentados como uma família de infelizes.
Andavam constantemente a caminho do hospital, nunca mais ficando a criança curada.
Realmente, era uma leitura possível. Uma interpretação que se poderia efectuar. Um certo ponto de vista.
Mas não correspondia nada à postura daqueles pais.
Eu considerei muito curiosa toda a cobertura jornalística relativa à detenção daquelas três pessoas que estavam de passagem por Alpiarça.
Não coincidia, de modo algum, com a minha decisão judicial.
Mas, efectivamente, quando se quer arranjar uma notícia bombástica ou um escândalo, consegue-se com a maior das simplicidades.
Diferente foi um outro caso ocorrido igualmente em Alpiarça.
Também mereceu notícias de primeira página e cobertura televisiva.
Um pai espancava brutalmente os filhos.
Nesses casos, os meus sentimentos são sempre contraditórios.
Naturalmente, deixam-me triste a existência destes julgamentos e as notícias sobre tais casos.
Mas fico feliz por saber que os vizinhos não se calam. Que as situações são denunciadas e que o criminoso é punido.
Contrariamente ao que sucede noutras circunstâncias, em que só a morte de uma criança vem a revelar os maus tratos.
Estiveram de parabéns os alpiarcenses.