sábado

TRISTE FESTA




Há aqueles crónicos que passam a vida a conduzir depois de se embriagarem. Na maior parte dos casos, acabam por ir parar à cadeia ao fim de umas quantas infracções.
Mesmo com longos períodos de apreensão de carta, continuam a guiar o seu automóvel, com algumas cautelas suplementares e recorrendo aos mais variados esquemas. Por vezes, voltam a ser capturados e a pancada é maior.
No entanto, também existem os que arriscam uma ou outra vez e são apanhados, quando as probabilidades apontavam para que conseguissem escapar.
Vou relatar o caso de uma sucessão de azares.
O marido dela tinha perdido o emprego.
Mesmo assim, só com um ordenado, ainda faziam face às despesas.
Ela trabalhava numa estação de televisão e não ganhava mal.
O diabo foi quando, nessa empresa, se procedeu a um “downsizing”.
A uma série de empregados foi proposta a rescisão do contrato de trabalho.
Ela foi abrangida por esse desejo de a entidade patronal prescindir dos seus serviços.
Negociou a saída da estação.
Para além de receber uma indemnização, resolveu comprar o automóvel de serviço da empresa. Saía-lhe bem mais barato do que estar a adquirir uma outra viatura.
Não era exactamente o ideal, sobretudo quando os dois membros do casal ficavam sem trabalho.
Uma coisa era evidente. Escusavam de ter a empregada doméstica a tempo inteiro. Propuseram-lhe que passasse a ir lá a casa três manhãs por semana.
A senhora não ficou nada satisfeita e reagiu mal. Foi dispensada de vez. Mas pôs os patrões em tribunal.
Bom, as coisas começavam mal.
Ainda antes de perder o emprego, ela já se preparava para ser ré num processo judicial movido pela empregada doméstica.
Em todo o caso, impunha-se um momento de festa.
Foi organizado um jantar de despedida com colegas da televisão.
Ela bebeu o suficiente para esquecer.
Tanto que não deveria ter-se posto ao volante.
Mas fê-lo.
No automóvel que já não era de serviço. Agora era mesmo seu.
Percorridos uns quilómetros, a hora avançada da noite e a quantidade de álcool ingerido mostraram ser uma combinação explosiva.
Adormeceu e o carro seguiu desgovernado.
Ela não sofreu nenhumas lesões, mas o veículo ficou mesmo maltratado. Grande parte do dinheiro da indemnização, recebida da empresa, já tinha destino: a oficina de reparação.
Não tardou a surgir um veículo policial.
Era uma boa ajuda.
Mas também implicava a inevitável fiscalização.
O resultado era mais do que previsível. O teor de alcoolemia excedeu em muito o máximo permitido por lei. E também ultrapassou, em larga medida, o limite que determina que a transgressão passe a ser considerada crime.
Evidentemente, ela teria de ser submetida a julgamento.
Era mais do que certa a apreensão da carta de condução. Por três meses, no mínimo.
Bom, mas também, ela preparava-se para um período de inactividade. Não tinha nenhum novo emprego em vista.
Portanto, a privação da carta não significaria grande perda.
Seguiu-se mais um contratempo.
Contrariamente ao que sucede na maior parte destes casos, o julgamento não se realizou de imediato.
O Ministério Público entendeu que era necessária a realização de um inquérito.
Deste modo, o julgamento ficou para dois anos mais tarde.
Num momento em que ela já tinha emprego, ainda que precário.
Quando a apreensão da carta foi mesmo prejudicial.