sábado
UM AGRADÁVEL VELÓRIO
Uma notícia falsa num jornal pode ser devastadora. Mesmo que haja posteriores desmentidos, correm-se sempre dois riscos.
Algumas pessoas que terão lido as mentiras poderão não vir a dar com o desmentido.
Por outro lado, existindo duas histórias, é possível que subsista sempre a dúvida de qual delas é a verdadeira.
Alguns titulares de cargos públicos tinham direito a passagens aéreas em classe executiva. O bilhete não é barato.
Os beneficiários chegavam à agência de viagens e diziam que o queriam trocar por duas passagens em económica. Assim, os cônjuges viajavam sem pagar nada. Ou então guardava-se o bilhete para outra ocasião.
Era o desdobramento dos bilhetes de avião, que causou algum escândalo há tempos atrás.
O órgão que fiscalizava, em primeira linha, essas situações era o Tribunal de Contas.
Ora o jornal O Independente veio com uma notícia bombástica. Haveria juízes do próprio Tribunal de Contas que faziam exactamente o mesmo. Obtinham o desdobramento dos bilhetes.
Isso era uma total aldrabice.
Nenhum juiz do Tribunal de Contas tinha agido dessa forma.
Por isso, o jornal foi processado e condenado a indemnizar o Tribunal de Contas.
Mas são danos difíceis de reparar.
Os leitores poderão ficar sem saber em quem acreditar.
O problema não é de hoje.
Nos anos 30, uma das estações de rádio mais conhecidas era o Rádio Club Português. Era dela sócio Luís Aranda, ourives de sucesso da capital.
Embora baixo e um pouco forte, vestia-se elegantemente e acabava por facilmente atrair as atenções femininas.
A mulher andava sempre um pouco desconfiada e dedicava especial vigilância às saídas nocturnas.
Na altura, ainda se publicavam os vespertinos, jornais que eram colocados à venda durante o período da tarde.
Tinha saído a notícia da morte de José Gamboa, popular actor e amigo de Luís Aranda.
Naturalmente, este quis participar do velório. Após o jantar, colocou fato e gravata de acordo com a ocasião e anunciou à esposa onde iria.
A notícia do jornal não correspondia à verdade. Tinha, sim, falecido um outro José Gamboa, que não o conhecido artista.
Mas ainda antes de chegar ao local do velório, Aranda deparou-se com uma jovem, com quem veio a entreter-se toda a noite até às onze da manhã seguinte. Deixou de parte o velório. Nem veio a saber que, afinal, o actor estava bem vivo.
Quando regressou a casa, Luís Aranda preparava-se para almoçar e sentou-se no sofá.
Notava-se alguma frieza por parte da esposa. Ele quis entabular conversa e lá falou do desaparecimento de seu amigo. Mais um que se tinha ido, ainda era relativamente novo, tinha sido impressionante acompanhar o velório…
A mulher limitou-se a estender-lhe o jornal da manhã. Ela tinha desenhado um círculo em redor da notícia que desmentia o falecimento do actor, “que continuava vivo e de boa saúde”.
O marido leu a notícia e não saiu do sofá. Colocou o jornal em cima da mesa. Virando-se para a mulher, disse-lhe com o ar mais natural do mundo:
- Mas ouve lá, tu acreditas em tudo o que vem nos jornais?
Há dias, a Revista brasileira “Isto É” foi condenada a indemnizar os proprietários de um colégio, que sofreram danos enormes em virtude de uma reportagem saída há uns anos atrás.
A publicação tinha noticiado que, naquele estabelecimento de ensino, havia práticas pedófilas.
O caso tomou as proporções próprias da dimensão da conhecida revista.
Centenas de populares dirigiram às instalações escolares e apedrejaram o edifício.
Afinal, a notícia era completamente falsa.