sexta-feira

NÃO SEI DE NADA




Aviões da CIA: transportam prisioneiros para locais onde são torturados. Encontram-se registados em nome de empresas privadas. Mas toda a gente sabe a quem pertencem, na realidade.
Aterraram em aeroportos europeus, à revelia das autoridades locais.
Em Espanha e na Alemanha, tal foi tratado com a gravidade que o assunto merecia. Consistia numa traição e numa deslealdade. Gerou um sério incidente.
Por cá, nós preferimos dizer que não se tinha a certeza de nada e que não havia provas. Depois, os norte-americanos desmentiram tudo. Devíamos estar à espera que revelassem pormenores de acções altamente secretas…
Fizemos figura de otários.
Há umas décadas atrás, em Portugal, ocorreu um outro caso de aviões da CIA.
Gerou grande controvérsia, no Senado dos Estados Unidos da América.
Nos anos sessenta, encontrava-se na mesa das negociações a renovação da cedência da base das Lajes.
Os norte-americanos ficaram numa posição delicada. Era complicado dar as contrapartidas que Portugal exigia.
Em matéria de política africana, os Estados Unidos puseram-se do lado em que todos estavam: contra a posição portuguesa.
George Anderson era o Embaixador colocado em Lisboa.
Avistou-se com Salazar e fez-lhe ver que o nosso país deveria proferir uma declaração pública, aceitando um conceito razoável de autodeterminação. Tal permitiria aos povos africanos considerar que, no futuro, teriam nas suas mãos os destinos dos seus territórios.
O ditador disse-lhe que não podia ser assim. Afirmou:
- Se todos os estivadores, trolhas e secretárias vissem a possibilidade de se tornarem membros do governo, não prestariam atenção às suas funções actuais.
Portanto, o problema agudizou-se.
Com esta posição firme de Portugal, os Estados Unidos não poderiam dar grande coisa em troca das Lajes.
Os portugueses recordavam que a Fundação Ford auxiliava os movimentos independentistas.
Por isso, Salazar pedia a venda de napalm e de aviões a jacto.
Foi, então, que a CIA interveio, com os seus aviões.
Em 1965, deu-se início à Operação Pardal.
Napalm não se podia arranjar. Dava muito nas vistas.
Aviões a jacto também não era coisa fácil de andar assim a vender a um país isolado na cena internacional.
No entanto, havia os velhos bombardeiros B-26, do tempo da Segunda Guerra Mundial. Dispensavam-se vinte unidades.
Algumas condições foram impostas.
A transacção seria realizada por uma empresa privada.
No contrato, figuraria, por escrito, que as aeronaves não seriam utilizadas em África.
Além disso, não eram emitidas licenças de exportação relativas aos aparelhos.
As primeiras sete aeronaves foram entregues em Portugal.
Mas o esquema foi logo descoberto.
O caso foi denunciado por Mennen Williams, que batera um recorde de permanência como Governador do Estado do Michigan, mantendo-se no cargo durante doze anos. Mais tarde, ele foi nomeado Embaixador nas Filipinas e, posteriormente, Juiz no Supremo Tribunal do Michigan. Morreu em 1988.
O negócio foi abortado e os restantes bombardeiros já não seguiram viagem.
A situação foi aproveitada por Nikolai Fedorenko, Embaixador da União Soviética, nos Estados Unidos.
Eugenie Anderson, delegada americana na ONU, esclareceu que as autoridades norte-americanas não tinham conhecimento de nada e que a venda fora efectuada por uma empresa privada. É fácil de calcular a credibilidade que mereceu esta explicação…
Este episódio, sucedido há quarenta anos, encontra-se descrito na obra “Engaging Africa”, de Witney Sechneidman.