quarta-feira
O QUE É TEU, É NOSSO
Tal como mencionei anteriormente, não é igual estar casado ou viver em união de facto.
Vou-me referir a um caso ocorrido em Santarém, ao longo de alguns anos.
Uma senhora tinha um filho de uma relação anterior. Iniciou vida em comum com um indivíduo sem descendentes. Decidiram comprar uma casa, recorrendo ao crédito bancário. Como não eram casados, adquiriram em regime de compropriedade, ficando cada um com cinquenta por cento.
Dois anos depois da aquisição, tiveram um filho.
Entretanto, o filho mais velho da senhora morava com o casal. Mas ele próprio contraiu matrimónio e deixou de lá viver.
Chegou o momento da ruptura. Os dois decidiram separar-se. Tinham estado juntos durante dez anos.
A casa tinha de ser vendida. Pertencia aos dois, em partes iguais. Obviamente, o valor obtido com a venda era para dividir.
Mas não era nesse ponto que as coisas se complicavam.
Uma boa parte do preço original já estava paga ao banco.
ENTRADA
Logo na altura da compra, o homem tinha dado uma entrada de mil e quinhentos contos ao construtor. Estava-se em 1990 e tal quantia ainda era dinheiro que se visse.
Depois, ao longo de 120 meses, as prestações foram sempre saindo da conta bancária dele. A senhora nunca suportara essa despesa.
De modo que ele colocou um processo judicial em tribunal, pedindo à ex-companheira o reembolso de metade desse dinheiro.
É que veja-se bem. Ela era agora dona de metade de uma casa consideravelmente valorizada. No entanto, nunca contribuíra com um cêntimo.
O homem tinha a lei a seu favor. Possivelmente, o seu advogado ter-lhe-á dito que seriam elevadas as probabilidades de ganhar a acção.
Mas não foi o que sucedeu.
Afinal, perdeu-a. Contrariamente, ao que ele esperava, a senhora não foi condenada a entregar o montante pedido.
ABUSO
Juridicamente, as coisas são simples. Foi utilizada a bomba atómica do Código Civil. No meio de milhares de disposições legais, há lá um artigo que se intitula “abuso do direito”.
Contém meia dúzia de palavras, mas encerra algo de poderoso. O juiz pode negar a uma pessoa o exercício de um direito legal, se entender que está a abusar dessa faculdade.
Ora legalmente, o indivíduo tinha o direito de exigir aquele reembolso.
Todavia, os pagamentos que ele fizera durante aquele longo período enquadraram-se no âmbito de um projecto comum de vida, em que os dois viviam como se marido e mulher fossem. Os pagamentos eram feitos apenas por ele, mas sem que houvesse a previsibilidade de um acerto de contas posterior.
Portanto, o indivíduo não teve direito a receber nada.
Este é o típico processo que dá sempre origem a uma sentença que desagrada alguns.
Muito dirão que se fez justiça. Seria absurdo que a ex-companheira fosse entregar milhares de contos, quando os dois viveram juntos, tendo um filho e com o dinheiro a ser gerido como todos os casais fazem: sem grande preocupação se as contas são pagas pelo homem ou pela mulher.
Outros defenderão que, afinal, a mulher embolsou metade do valor da casa, sem nunca ter pago um tostão. Foi ele quem sempre pagou as prestações ao banco.