quarta-feira
PORQUÊ SÓ AGORA?
Ninguém duvida que a controvérsia gerou um êxito de vendas do seu novo livro.
O escritor alemão Gunter Grass revelou que, na sua juventude, ingressou nas fileiras da SS, a temida Schutzstaffel: o Escudo Protector. Inicialmente criado como guarda pessoal de Adolf Hitler, o organismo veio a transformar-se em organização de elite do partido nazi, com carácter militar. Constituía uma verdadeira guarda pretoriana, cujos membros eram seleccionados de acordo com a sua lealdade ao Fuhrer.
“Descascando a Cebola” tornou-se, assim, num gigantesco sucesso editorial.
Mas esse não era certamente o principal objectivo do seu autor, que se tem destacado como consciência crítica da Alemanha. Ele é conhecido por situar-se politicamente à esquerda e esteve envolvido activamente em movimentos pacifistas internacionais.
Com certeza, a sua finalidade primordial era outra.
Gunter Grass conta quase 79 anos de idade.
Não quer morrer sem expor este lado negro da sua vida.
O pior que poderia suceder seria o episódio vir a ser denunciado, após a sua morte, sem qualquer hipótese de ele responder.
Problemas deste tipo têm-se colocado em vários quadrantes.
Um dos mais negativos acontecimentos diz respeito ao terceiro presidente dos Estados Unidos da América: Thomas Jefferson.
Ainda antes de ele morrer, em 1826, um jornalista demonstrou quão hipócrita era o estadista.
Jefferson criticava os amos que abusavam sexualmente das suas escravas negras. Mas fazia-o com argumentos profundamente racistas: “a mistura entre brancos e negros origina uma tal degradação que nenhuma pessoa que ame a Pátria pode tolerar”, dizia ele.
No entanto, o Presidente engravidou uma das suas escravas, Sally Hemings.
O jornalista James Callender publicou um artigo sobre o assunto, informando que Madison Hemings era filho do Presidente. O Chefe de Estado optou por remeter-se ao silêncio.
Estava longe de imaginar que o ADN viria a confirmar a relação de parentesco, quase dois séculos mais tarde.
O mutismo é, pois, a pior estratégia.
No entanto, a alternativa encontrada por Gunter Grass também apresenta as suas falhas.
O escritor tem sido muito criticado.
A reacção mais comum tem sido a de considerar que não é assim tão grave ele ter ingressado, aos dezassete anos de idade, numa divisão que integrava um estado autoritário. O mais censurável é ele ter omitido tal facto durante quatro décadas, comportando-se como alguém que sempre tivera um percurso coerente.
O principal é a atitude de esconder esta sua faceta.
Um fenómeno idêntico passou-se em Portugal, após as eleições presidenciais de 1996.
Ninguém criticou Jorge Sampaio por se ter candidatado às eleições presidenciais, mesmo padecendo de um problema cardíaco. Mas quase ninguém compreendeu que ele tivesse optado por escamotear tal facto do eleitorado, sendo submetido a uma delicada intervenção cirúrgica logo após ocupar o Palácio de Belém.
Voltemos a Gunter Grass. Já que o escritor alemão nunca se tinha pronunciado sobre o seu passado nazi, que deveria fazer?
A resposta era colher a lição de François Mitterrand, antigo Presidente francês.
A saúde do político gaulês nunca foi das melhores. Um dos seus antigos médicos até redigiu um livro, cujo título era revelador: “O Grande Segredo”. Mitterrand ordenou que relatórios médicos fossem falsificados, a fim de omitir o cancro que o afectava.
Todavia, em 1994, ele sabia que pouco tempo de vida lhe restava.
Surgiram, então, notícias na comunicação social, alegando que o Presidente havia mantido um relacionamento extra-conjugal, do qual nascera uma filha, Mazarine Pingeot.
Confrontado com o caso, Mitterrand tomou uma digna atitude, de que os franceses muito se orgulharam. Reconheceu a paternidade da menor e confirmou a veracidade das notícias. Todos compreenderam que ele não se tivesse pronunciado antes. Importava não apoquentar a sua mulher legítima.
O mais provável é ter sido o próprio Mitterrand a lançar a informação junto dos jornalistas. Ele não queria morrer sem deixar uma palavra sobre a sua filha ilegítima. Sabia que, mais tarde ou mais cedo, o caso iria ser alvo de notícias.
Aqui está a forma como Gunter Grass poderia ter agido.
Fomentaria a divulgação, na imprensa, de rumores sobre a sua alegada incorporação na SS. Depois, ele viria, honradamente, assumir o seu passado, fornecendo uma explicação cabal para o longo emudecimento.