Aqui há uns meses atrás, ia eu em direcção a Lisboa, proveniente da Margem Sul. Tinha uma consulta médica marcada e seguia com antecedência mais do que suficiente.
A minha intenção era atravessar a Ponte que agora completou quarenta anos de idade. Inicialmente baptizada de Salazar, oito anos depois, passou a denominar-se 25 de Abril, em homenagem à revolução que derrubou o anterior regime.
Ao aproximar-me do acesso à mesma, o tráfego revelou-se anormalmente compacto, para a hora.
Quando entrei em contacto com o consultório para anunciar o meu atraso, a recepcionista informou-me que nem valia a pena ter esperanças de chegar fosse quando fosse.
Sobre a ponte, encontrava-se um homem que tinha acabado de matar a sua própria mulher.
Agora, ele pretendia pôr termo à sua vida, lançando-se sobre o rio, de uma altura de 190 metros. A polícia foi chamada ao local, estando a negociação a cargo do mais reputado especialista na matéria em Portugal, o Capitão Canas, cuja formação académica é em psicologia.
A dificuldade é que o homem era surdo-mudo.
Por isso, teve de ser chamada uma intérprete de linguagem gestual.
A missão foi bem sucedida.
Em vez do cemitério, o destino dele foi a cadeia.
É relativamente comum o suicídio seguir-se a um assassinato.
Normalmente, tal sucede quando a vítima é familiar do criminoso ou com ele mantém algum tipo de relacionamento.
Antes de ser edificada a ponte que liga Almada a Lisboa, já as duas margens do Tejo se encontravam ligadas através da Ponte Marechal Carmona, inaugurada em 1951, em Vila Franca de Xira.
No entanto, quando um assassino vila-franquense resolveu suicidar-se não optou em atirar-se da ponte.
Decidiu-se por um poste de alta tensão, com altura equivalente a um prédio de dez andares.
Subiu-o até ao topo, mas também não chegou a lançar-se para o solo.
Após um momento de alta tensão, desistiu da ideia.
Contrariamente a estes dois indivíduos, eu tenho uma certa noção do que é uma pessoa atirar-se de um ponto com a altura de setenta e cinco metros. Pratiquei bungee jumping e, embora estivesse consciente da elevada segurança desta actividade, reconheço que, nos primeiros saltos, não era fácil aquele momento que precede o lançamento.
No caso deste homem de Vila Franca de Xira, ele tinha morto uma mulher com quem mantinha um relacionamento amoroso.
Ele sofria de uma ligeira debilidade mental. Nos estudos, não tinha ido mais além do que a quarta classe. Mas tal não o impedia de levar uma vida normal e exercer a sua actividade de pedreiro no norte do país.
Foi em Vila Nova de Gaia que conheceu uma jovem toxicómana, cuja dependência da droga a atirou para a prostituição.
Ele não era exactamente um proxeneta, pois amava verdadeiramente a rapariga. Tanto que o objectivo dele era que ela deixasse quer os estupefacientes quer a venda do seu corpo.
Foi no decorrer de uma discussão sobre aquisição de droga que a tragédia ocorreu.
O homem tinha-se disponibilizado a transportar a sua namorada até um local onde ela poderia comprar droga. Para tanto, seguiriam no automóvel dele.
No entanto, ele fez um desvio e exigiu que ambos mantivessem relações sexuais. Embora a rapariga tenha dito que pretendia consumir de imediato, perante a insistência dele, ela acabou por ceder.
Finalizada a cópula, no exterior do veículo, o indivíduo quis demovê-la de gastar o dinheiro na droga.
Aí é que ela se aborreceu seriamente e zangou-se com ele, dando-lhe um empurrão, que o fez cair sobre umas silvas.
Se ela estava arreliada, ele ficou furioso.
Tanto que foi capaz de praticar o mais odioso dos crimes, de modo muitíssimo violento.
Pegou num ferro, que ali se encontrava.
Por dezasseis vezes, espetou-o no corpo da infeliz.
Não o fez ao acaso. Algumas dessas pancadas tiveram como alvo os pulmões, provocando-lhe enorme dor, com certeza, antes de ela perder a vida.
Depois, seguiu-se uma longa deslocação a Vila Franca de Xira e a tal subida ao poste de alta tensão.